sexta-feira, 21 de setembro de 2012

a luz azul passeia.


A luz azul passeia. Recorta uma paisagem enluarando. No quadrado de luz, recostam-se duas pessoas. Elas conversam e sorriem relaxadas, mas não as ouvimos. O homem na guitarra improvisa a sua melodia enquanto a mulher que observa folheia o livro. Ela diz:
(enquanto ela narra, pode-se alterar, se for desejável, a luz da paisagem, talvez dando a ela os tons luminosos do sol).
“O Sol ainda não nascera. O mar não se distinguia do céu, a não ser pelo encrespado que cortava sua superfície, como um tecido que se enrugasse. Aos poucos, à medida que o céu clareava, uma faixa escura estendeu-se no horizonte, dividindo o céu e o mar. Então, o tecido cinzento coloriu-se de manchas movendo-se uma após outra, junto à superfície, perseguindo-se mutuamente, sem parar.
(pode-se também jogar com a projeção de paisagens, talvez substituindo a luz pura, a partir de algum momento. Sugere-se uma sucessão de cores ondas árvores folhas raiosol)
Aproximando-se da praia, cada uma dessas ondas erguia-se, acumulando-se para então quebrar-se e espalhar pela areia um fino véu de água branca. A onda parava, e partia novamente, suspirando como uma criatura adormecida, cuja respiração vai e vem sem que disso se aperceba. Aos poucos, a faixa escura do horizonte acabou por clarear, tal como se a borra numa velha garrafa de vinho se tivesse acomodado, restituindo à garrafa a sua cor verde. Atrás dela, também o céu ficou translúcido, como se os sedimentos brancos que ali se encontravam tivessem afundado, ou como se um braço de mulher oculto por detrás da linha do horizonte tivesse erguido uma lâmpada que espalhasse, por todo o céu, raios de várias cores, branco, verde, amarelo, como se fossem as varetas de um leque. Então, ela levantou ainda mais o lampião, e o ar pareceu tornar-se fibroso e apartar-se daquela superfície verde, bruxuleando e chamejando em flamas vermelhas e amarelas, como às que se elevam de uma fogueira. Docemente, as fibras da fogueira fundiram-se numa só brasa, uma incandescência que levantou o peso do céu cor de chumbo que a cobria, transformando-o num milhão de átomos de um macio azul. Docemente, transluziu a superfície do mar, e as ondas ali se deixaram ficar, murmurando e brilhando, até que as faixas escuras quase desapareceram. Docemente, o braço que segurava a lanterna elevou-se ainda mais, até uma chama brilhante se tornar visível; um disco de fogo ardendo na fímbria do horizonte, acendendo o mar inteiro em ouro.
A luz incidiu sobre as árvores no jardim, tornando, primeiro, esta folha transparente, e só depois aquela. Lá no alto, um trinado de pássaro. Depois pausa. E logo abaixo, outra ave soltou seu gorjeio. O sol aguçou os contornos da casa e pousou como ponta de um leque sobre uma cortina branca do quarto de dormir, deixando ali uma impressão digital azulada. A cortina estremeceu ligeiramente, mas, dentro da casa, tudo era penumbroso e sem substância. Fora, os pássaros cantavam uma melodia sem sentido.           

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