domingo, 12 de dezembro de 2010

possíveis textos

você me ama?
amo.
por quê?
porque você é loira. e gostosa.
melhor, porque você é muda. e está em cima da mesa. pronta pra mim.


gelada.
loira gelada.


(isso poderia ser o texto de uma propaganda de cerveja. mas não é.)
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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

mulheres de programa

hoje, 25 de novembro, fiz mais uma programa.
como sempre, não o fiz sozinha... que graça teria?
melhor seria dizer: nós o realizamos. 11 mulheres e um bendito fruto.


tornar real um programa é organizar um plano de risco e colocá-lo em ação. para desprogramar corpo e meio...

"mulheres painel em deriva pelo hipercentro de belo horizonte oferecem seus corpos para serem lidos. nestes, notícias de jornal se misturam a imagens de mulheres e a escritas improvisadas".




dando prosseguimento à investigação do feminino que a gente vem realizando (lica e eu), tínhamos proposto para as mulheres da marcha mundial das mulheres uma ação coletiva para o dia internacional da não violência contra a mulher. seria uma ótima ocasião para recolher mais imagens junto com anna e taynara, as moças da m.m.m. com quem estamos realizando uma parceria de trabalho para desenvolvimento de material audiovisual.
elas, para seu trabalho final na oi kabum. nós, para desenvolvimento de nossas questões.

a idéia era criar uma multiplicação, uma seriação de figuras femininas que, marcada por certas semelhanças - as mulheres teriam em comum os corpos/roupas de jornal - e circunscrita em uma determinada área, tenderia a provocar interrupções no fluxo cotidiano da cidade, um possível estranhamento.

com a necessidade das mulheres da marcha se concentrarem nas manifestações mais diretas e sem tempo hábil para prepará-las para a ação que pensávamos, acabamos por decidir convocar outras performers de belo horizonte que imaginávamos comungar em termos não só de linguagem, mas também de interesse temático ou de atitude política.
email, facebook e, em breve tempo, conseguimos um bom número de mulheres interessadas em realizar uma ação conosco.

como disse, fomos onze ao total. dessas, seis saíram, efetivamente, de mulheres painel: lica, letícia castilho, sílvia andrade, marcelle louzada, viviane (preciso saber seu sobrenome) e patrícia campos, pesquisadora que integra a rede colaborativa do obscena.
todas as outras (nina, marta, juliana, anna e taynara) e o bendito fruto, fernando, ficamos no necessário apoio: dentro de sala e no acompanhamento/registro na rua. afinal, temos que estar preparadas para tudo (também seria interessante saber o sobrenome de todas/o para os créditos nas fotos/imagens).

em evidente alusão a um tempo de guerrilhas, acabei por nomear a ação de ação performática 25 de novembro. letícia veio a caráter, vestida pra guerra. cada mulher painel construiu sua singularidade... silvia com seus sapatos de jornal e guarda-chuva, patrícia de "chanel", marcelle com sua cachorra e viviane de rainha... lica com sua mitra, aráutica...


nos corpos números de violência, bundas plastificadas e sorrisos cor de rosa. olhos roxos e palavras editadas. desprogramando. desprogramando. desprogramando.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

formas de morrer lentamente.

lipo.
aspiração mata.
mata sorrir. servir bem para servir sempre.
mata amar casar parir amamentar cuidar limpar. agradar. esquecer. perdoar.
transar. mesmo sem vontade.
o soutien. a calcinha de renda e o sexo oral nele como nunca nela (ela finge que não gosta para não ter que enfrentar sua cara de nojo).
o botox. o hidratante. o batom. o rosa. o rosa. o rosa. e o sorriso.
vai matando devagarinho. comendo a alma da gente. isso é o que me mata, sabe?

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Arquitetura III

Daqui de cima eu vejo tudo.
a cidade inteira.

luzes. prédios. ruas. carros. pessoas passam.

É uma questão de destino.
Uma arquitetura é feita de planos traçados. de linhas. retas. direções.
Uma arquitetura é Grande. Dura. Magnífica.
mas por dentro dela. de mim.
algo acontece.
(o interior carcomido)
uma arquitetura é feita de vazios. de cheios. é feita de passagens. de lugares vivências.
no interior pleno de mulheres algo sobe pelos muros. infiltra-se pelas paredes. escorre pelos canos. pelas velhas. veias. pelas coxas. cabelos. escorre das bucetas. bucetas. bucetas. sobem pelas paredes.
os corpos conformados nos vazios escrevem um texto que não conseguem ler.
Nos corredores. Nas grades, nas celas. No pátio. No cimento.
Na veia.
Dentro dela. de mim. uma mulher espera pegar a dureza daquele lugar torto.
Por dentro, estou carcomida e ela também. Somos cheias de segredos. Eu e ela. a mulher. O cheiro da urina grudada na pele.
Quanto tempo até o chão? Quanto tempo até seu rosto tocar o chão vermelho?
A carne. Em direção à queda.

Ela grita e ninguém escuta. Ela (eu) está numa cela que faz parte de um andar que faz parte de um pavilhão que faz parte de uma cadeia de prédios que faz parte de um quarteirão que faz parte de um bairro que faz parte de um distrito que faz parte de uma cidade que faz parte de um estado que faz parte de um país... Ela grita. eu grito. e ninguém escuta.

Do alto da torre, o olho passeia. eu invento um altar.
Para um deus possível que lá do alto da torre vê a vida passar.
Na televisão. Na esquina do mundo.
E eu (ela) aqui sentada. nessa cela. nessa sala. nesse tubo de ensaio.
A gente só devia conhecer o que vive.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Arquitetura II

Daqui de cima eu vejo tudo.
a cidade inteira.
luzes. prédios. ruas. carros. pessoas passam.
É uma questão de destino.
Uma arquitetura é feita de planos traçados. de linhas. retas. de vazios. de cheios.
Uma arquitetura é feita de passagens. E de muros.
Uma arquitetura é magnífica. Grande. Dura.
mas por dentro dela.
de mim. (o interior cheio de mulheres)
algo acontece. escorre pelos canos. sobe pelas paredes. pelas coxas. cabelos. bucetas. bucetas.
pelas veias.
o cheiro. (o interior carcomido)
os corpos conformados nos vazios escrevem um texto que não conseguem ler.
Nos corredores. Nas grades, nas celas. No pátio. No cimento.
Na veia.
Dentro dela. de mim. uma mulher espera pegar dureza daquele lugar torto.
Por dentro, estou carcomida. Ela também. Somos cheias de segredos. Eu e ela. a mulher.
O cheiro da urina grudada na pele.
Quanto tempo até o chão? Quanto tempo até seu rosto tocar o chão vermelho?
A carne. Em direção à queda.

Ela grita e ninguém escuta. Ela (eu) está numa cela que faz parte de um andar que faz parte de um pavilhão que faz parte de uma cadeia de prédios que faz parte de um quarteirão que faz parte de um bairro que faz parte de um distrito que faz parte de uma cidade que faz parte de um estado que faz parte de um país... Ela grita. eu grito. e ninguém escuta.

Do alto da torre, o olho passeia. eu invento um altar.
Para um deus possível que lá do alto da torre vê a vida passar.
Na televisão. Na esquina do mundo.
E eu (ela) aqui sentada. nessa cela. nessa sala. nesse tubo de ensaio.
"A gente só devia conhecer o que vive".

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

importa se ela é mulher?

um dia após a eleição para presidência do brasil, me pergunto: importa se ela é mulher?
nesse dia histórico, em que pela primeira vez (após 35 homens governando o país) uma mulher alcança o posto de PRESIDENTA (assim, com A. os gêneros não são neutros), me pergunto: importa? mulher é uma condição política (como diria lennon, ela é o negro da humanidade).
disse há pouco: os gêneros não são neutros. o considerado neutro é, de fato, o gênero masculino.
ele nos é dado. como se dele viesse toda a criação, toda a eva. o masculino é visto como natural.
Homem (diz o aurélio). s.m. espécie humana, humanidade: a evolução social do homem. a criatura humana sob o ponto de vista moral: todo homem é passível de aperfeiçoamento. pessoa do sexo masculino. macho.
natural então é ter presidente, governador, prefeito, senador. estudante. médico. sargento. soldado. advogado.
engraçado, que mesmo quando é com a, é o masculino que conta. não falamos a poeta. tem que ser poetisa... o músico e a musicista (o feminino, aqui, só serve para a abstração: a palavra música jamais poderia ser colada a um corpo fêmea).
o natural é ser macho. fêmea é a dissidência.
então presidenta soa "feio", "cacofônico" (melhor falar a presidente, né? é mais natural...)
hoje, uma semana depois da experiência obscena com o cross-dressing proposto por leandro, me pergunto: existe neutralidade na discussão de gêneros? o que é ser mulher? homem? o que nos define? o sexo? o comportamento? as roupas, tons, gestos?
o que nos faz mulher?

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

fênix

para as criaturas de ar, é necessário que as coisas respirem. são como flautas: quando o ar circula, fazem música.
já para as criaturas de fogo, a circulação de ar implica em incêndio. as coisas queimam dentro delas.
são como fênix: precisam queimar tudo, se queimar inteira.
para nascer de novo outra.

Matéria do SBT conta que bolinha de papel atingiu Serra

gosto do link para o mulheres com dilma, site bem interessante...

Matéria do SBT conta que bolinha de papel atingiu Serra

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

conversas possíveis para um absurdo fim

eu não te conheço.
conhece sim. você vinha muito aqui.
você mora aqui?
moro. você ia perguntar: e eu?
como?
você ia perguntar: e eu?
eu sussurro: você mora dentro de mim. como agora.   

você ficou emocionado, não?
porque eu sei que é verdade. eu estou aqui, dentro de você, e sei que moro aqui. desde sempre.
você está chorando?

também estou emocionada. estamos nos despedindo, não é?
você disse: nunca amei uma mulher como você.

nunca amei uma mulher como você. por isso também fico emocionado.
de novo as lágrimas.
eu acho que você nem devia chorar. já passamos pelo pior. agora é a calmaria.
tem razão. fiquei pensando como seríamos nós agora. depois de tudo.
pode ficar tranquilo porque, antes, você explicou tudo perfeitamente bem. você foi claro. Sobretudo.
não. quero dizer agora, enquanto você se aninha ao meu corpo e eu acaricio seus cabelos.
achei que não ia perguntar. queria que o abraço nos tivesse derretido. mas isso não aconteceu.
então nada mudou.
nada mudou.

sábado, 16 de outubro de 2010

conversas possíveis para um absurdo fim II

você sabe o que estamos fazendo?
sim. já fizemos isso antes.
mas você sabe mesmo o que é isso que estamos fazendo?
não estamos casando. nem namorando. nunca mais.
e agora que você sabe continuaremos fazendo isso?
eu já sabia disso quando começamos.

conversas possíveis para um absurdo fim III

você sabe o que estamos fazendo?
sim. já fizemos isso antes.
você não acha pouco para nós?
eu também gostaria muito que fizéssemos mais.
mas você sabe mesmo o que é isso que estamos fazendo?
não estamos casando.
e agora que você sabe continuaremos fazendo isso?
não se preocupe. eu já sabia disso quando começamos.
vamos fazer assim?
eu gostaria muito que fizéssemos isso direito.
também prefiro que façamos direito.

nosso amor pairava acima do real.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

conversas possíveis para um absurdo fim IV

preciso urgentemente tirar o seu corpo do meu.
imagino que você tenha alguma idéia sobre isso.
andei considerando algumas possibilidades: um ritual de purificação.
não sou encosto.
sexo com desconhecidos.
é. você precisa urgentemente tirar o meu corpo do seu.
eu já havia dito isso.
vai deixar uma marca.
sexo com desconhecidos é eficaz nesse sentido.
e um vazio na alma.
ela está preenchida com o que já não existe.
e o meu corpo? como fica?
esse problema não é meu.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

conversas possíveis para um absurdo fim V

adoro fazer poesia com você.
adoro fazer amor com você.
(pausa)
você ainda enrubesce.
adoro fazer o que a gente faz.
adoro tudo o que já fizemos.
esses são os últimos laços se desfazendo.
reparou que já não nos encontramos por acaso?
e que quando ligo você esqueceu o telefone?
então é hora de nos despedirmos.
não vamos mesmo? nunca mais?
nosso amor pairava acima do real.


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

conversas possíveis para um absurdo fim VI

preciso urgentemente tirar o seu corpo do meu. tirar essa fruta esse fruto que nasce que brota no rasgo do ventre. no útero. preciso abortar.
abortar esse amor. é preciso. libertar esse corpo. é preciso. recriar a metade que fica.



essa conversa mais parece um monólogo.
ou uma sentença final.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

a matemática do amor

a matemática do amor é matéria complexa. soma-se. sub.trai-se. logra-se o ritmo.
nessa matemática é preciso considerar os fatores.
corpo. mente. coração. mesmo que a ordem não altere o produto.
porque na matemática do amor somos andróginos de nós mesmos.
amor gostoso é quando ao querer do corpo se junta a vontade do coração.
ah, nessa matemática a soma vira multiplicações infinitas...
os quereres.
mas isso não é a operação completa.
na redonda laranjice de nós mesmos, fazemos uma máginática e transformamos três metades (é preciso considerar a mente) numa plenitude plena solitária não bastante em si mesma.
essa completude tem objeto. o desejo de corpo e alma tem mira.
na suprema redondice de nós mesmos almejamos uma redondice de estranhas moléculas querendo-se líquidas aguar no outro.
a matemática se complica. agora são muito os nossos fatores. é possível liquefazê-los?
é possível lique-fazer-nos?

terça-feira, 5 de outubro de 2010

nove meses

nove meses. corte. precisão cirúrgica.
alguém deveria nascer. ou morrer hoje.

(eu devia ter dito algo)

morrer.
em um mundo de linhas de atravessamento temporal uma escolha é sempre a morte de uma outra vida possível. ou de um amor impossível.

(algo. uma escritaimpossível)

esse poderia ser um manifesto pelo amor possível.

(mas o amor possível não precisa de manifesto. somente daquilo que em corpo já está manifesto. afinal, amor, como conhecimento, é um problema de fazer.)

em um mundo de atravessamentos toda morte é morte do impossível.

(eu disse lá atrás que alguém deveria nascer ou morrer hoje. e eu deveria ter dito algo.
ao dizer isso, quase disse alguém novamente. alguém deveria morrer. mas quem? não é possível saber, no entanto estou de luto e choro a minha alma.)

um corte. numa operação de precisão cirúrgica um corte foi feito. algo deveria nascer hoje? algo deveria brotar desse corte, ser parido, gerado numa continuidade da vida possível ou de um amor impossível? (eu disse: algo) ou, como diria minha sábia mãe: amor impossível não existe.

(abissal sabedoria. amor impossível não existe.
amor impossível não está lá.)

pois velemos o morto. amém.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

NEM TÃO BONECAS: CARTA OBSCENA


CARTA OBSCENA, ABERTA À POPULAÇÃO DE BH E A TODOS OS INTERESSADOS
Queremos não só relatar o amadorismo, o desrespeito e a ignorância que marcaram a 10ª edição do FIT-BH – do qual participamos com um dos trabalhos locais selecionados em edital público – mas também exigir a discussão da política cultural de privatização de espaços públicos, mercantilização e consumo da arte implementada pela gestão de Márcio Lacerda, a qual encontra reflexo no modo de organização desenvolvido pelo Festival Internacional de Teatro deste ano. Para isso, vamos fazer uma rápida recapitulação dos eventos que compuseram a “novela” FIT.
Apesar desse importante festival ter sua realização garantida por lei e contar com dotação orçamentária e previsão bienal, em março desse ano – a cinco meses do FIT acontecer e em pleno processo de seleção dos grupos locais – a Fundação Municipal de Cultura anuncia seu cancelamento, alegando desde falta de verba até escassez de bons espetáculos para compor a grade. Diante da reação da classe artística, a FMC volta atrás em sua decisão – sendo o retorno tão autoritário, arbitrário e leviano quanto o cancelamento, pois não há diálogo nem consulta à população, ou justificativa real em relação às decisões. No mesmo dia do anúncio de Thaís Pimentel, presidente da FMC, demitem-se os curadores do evento, Richard Santana e Eid Ribeiro e, em seguida, o coordenador geral, Carlos Rocha. No dia 12 de abril, ela anuncia o novo modelo de gestão do FIT: a coordenação será assumida pelo corpo de diretores da Fundação, o que permite o alinhamento da “coordenação às diretrizes institucionais da FMC”.
Com nossa intervenção urbana selecionada a integrar a programação (resultado publicado em abril), aguardamos a comunicação da FMC para podermos, como em todo festival do qual já participamos com Baby Dolls, negociar as condições de apresentação. No dia 10 de junho, preocupados porque não havíamos recebido ainda nenhuma comunicação, entramos em contato com o secretário da comissão de seleção, André Ferraz, para iniciarmos as negociações e recebemos como retorno um breve email da coordenação do FIT avisando que seríamos comunicados em breve das datas, horários e locais de apresentação.
Temerosos com a pouca comunicação e dispostos a garantir a realização da intervenção em suas especificidades artísticas, dirigimos um email no qual explicávamos claramente as condições de realização de nosso trabalho. Ficamos aguardando e não obtivemos retorno. Após insistência, obtivemos resposta de que não seria possível integrarmos a programação descentralizada do Festival e enviamos, então, nova proposta, centralizando a nossa ação em uma ocupação das estações de metrô.
Nesse mesmo email, reiteramos as condições levantadas por nós desde nossa primeira comunicação: a impossibilidade de existir um aparato de divulgação nos locais de intervenção e a solicitação para que não fosse divulgado o horário em que ocorreriam as ações. Fomos informados de que nossa proposta tinha sido repassada ao coordenador Rodrigo Barroso e que ele entraria em contato para resolver as pendências. No dia 5 de julho, ainda sem retorno algum, recebemos da produtora Ana Jardim uma solicitação de rider técnico.
Novamente preocupados com a falta de comunicação do FIT e com o silêncio em relação às nossas questões, apelamos para as redes sociais e no dia 11 de julho postamos uma mensagem no Facebook de Rodrigo Barroso, solicitando uma reunião pessoal para definir nossa participação no Festival. No mesmo dia, ele retornou, também pelo Facebook, com garantias de admiração e respeito pelo nosso trabalho, mas ainda com informações gerais, da mesma ordem das recebidas anteriormente. Ou seja, a negociação não avançava.
Cientes da urgência de solucionarmos os termos do contrato de modo claro e transparente, fizemos contato telefônico com Barroso, fechando então as estações de metrô Minas Shopping (proposta mantida por ele) e Vilarinho (sugestão nossa), além das imediações do terminal rodoviário. Nesse contato telefônico, novamente colocamos nossas condições e, em relação à divulgação, ficou ACORDADO que não haveria, nos locais de realização das intervenções, NENHUMA FORMA DE DIVULGAÇÃO do FIT ou da ação em si: banners, spots etc. Em relação ao horário, Barroso informou da necessidade de oferecer ao público as informações, mas ficou de estudar uma alternativa – a colocação na grade do período de ocorrência das ações (fim da tarde, horário de almoço) – para a qual nos daria retorno. No dia 12 de julho, mais de um mês depois de nosso primeiro contato e sem que tivéssemos obtido, de fato, uma resposta satisfatória da FMC, recebemos outra comunicação sumária, já definindo os horários de apresentação e, em seguida, a carta de oficialização de nossa participação no FIT, assinada por Barroso.
Na primeira semana de agosto, fizemos uma visita técnica aos locais de realização da intervenção e, já no primeiro local visitado, a Estação de Metrô Vilarinho, fomos informados de que o FIT não havia enviado notificação de qualquer atividade no local, mesma informação obtida mais à frente, na Estação Minas Shopping. Somente o terminal rodoviário tinha sido comunicado de nossa atividade e somente nele tínhamos sala de apoio. Nessa visita, nosso produtor negociou diretamente com o metrô a liberação das catracas e pontos de apoio, necessidades que a produção do FIT havia afirmado não ter conseguido resolver, tendo nos informado que teríamos de arcar com os tickets necessários à realização da intervenção. Enviamos no dia seguinte um email a Ana Jardim, informando-a das nossas conversas e das negociações firmadas pelo nosso produtor, além do plano de desenvolvimento da ação.
No dia 10 de agosto, demos início às nossas intervenções e já nos deparamos com o descaso e a má vontade da equipe de produção que, sem entendimento do trabalho, pressionou o encaminhamento da intervenção para o local onde, pasmem! estava todo aparato de evento que, segundo o ACORDO FIRMADO COM RODRIGO BARROSO, precisamente NÃO DEVERIA ESTAR LÁ: banner, controle de público e presença de pesquisador/entrevistador durante a realização da intervenção. Questionado sobre a presença do banner, o produtor respondeu: “se não gostam de divulgação, porque estão em um festival?”
Nesse momento tivemos a real dimensão do quão despreparadas estavam as pessoas que assumiram nossa produção. Ao longo da intervenção, fomos insistentemente abordados pela coordenação do metrô, pois a ORGANIZAÇÃO DO FIT AINDA NÃO HAVIA COMUNICADO A REALIZAÇÃO DO EVENTO AO METRÔ. Insistentemente tentamos que os produtores presentes assumissem o controle e resolução da situação, mas isso não ocorreu. Eles apenas assistiam nosso produtor se esmerar para permitir que nossa ação se realizasse assim como havia saído na programação, mas não como tinha sido selecionada para acontecer.
Após o término, deixamos clara a necessidade de falarmos com eles, mas os produtores simplesmente se esconderam, sem oferecer água, lanche e sem, sequer, nos informar onde o transporte nos aguardava. Indignados com o rumo que as coisas estavam tomando, entramos em contato com a produção por telefone e por email, para informar de não havia a possibilidade de executar nossa ação nas condições do primeiro dia e solicitando reunião para reorganizarmos o trabalho, mas, uma vez mais, não obtivemos retorno.
No dia 11/08, novamente o amadorismo e má-vontade da produção se mostraram: para o transporte dos materiais e do pessoal ao terminal rodoviário, foi enviada um van completamente cheia de bancos, adequada ao transporte de um grupo grande de pessoas sem bagagem. Dividimos o transporte com o carro de uma das integrantes da ação e nos dirigimos ao local, onde verificamos que a sala de apoio estava sem condições mínimas de uso: suja, sem água, luz ou lanche. Verificamos também que os produtores, designados para nos auxiliar, estavam, ao invés disso, “vigiando” o banner afixado na entrada da rodoviária, enquanto nosso produtor providenciava, junto aos funcionários do terminal, as soluções para nossas necessidades. Chamamos novamente a produção para uma conversa em relação às condições negociadas para as nossas apresentações e obtivemos o seguinte retorno: “Caso vocês não façam nestas condições, a FMC suspenderá o pagamento do cachê”.
Indignados com o absurdo da situação e percebendo que com a produção não conseguiríamos resolver nada, novamente apelamos para as redes sociais e deixamos uma mensagem no Facebook de Barroso. Diferentemente da primeira vez, quando obtivemos um pronto retorno, ficamos sem resposta. Como também ficaram sem resposta os telefonemas e recados deixados na secretária eletrônica do referido coordenador. Fizemos uma reunião e resolvemos, apesar de todo o desrespeito e desconsideração por parte da organização do FIT, cumprir nossa parte no acordo até o fim e realizar a última intervenção.
No dia seguinte, ao iniciarmos nosso percurso em direção à estação Minas Shopping, recebemos um telefonema da produtora Ana Jardim informando que a intervenção não poderia ser realizada na Estação, devendo ser realizada na rua. Diante da nossa recusa, ela, aos berros, nos ameaça novamente com o não pagamento.
Demos prosseguimento à ação – conforme programação do próprio FIT e plano de ocupação traçado e comunicado à produção do evento – e chegamos à estação Minas Shopping, onde um aglomerado de pessoas aguardava. Como o FIT não havia comunicado à chefia do Metrô a realização do evento, nem havia solicitado a liberação para uso do espaço, começamos a ser pressionadas, por funcionários da CBTU, a nos retirar do local.
No melhor estilo Kafka, ao coro do metrô se juntaram os produtores do FIT que, eximindo-se da própria responsabilidade, pedem nossa retirada. Diante de nossa reiterada recusa, informam que estamos, então, por nossa própria conta e risco.
Sob clima tenso, a intervenção prossegue até ser interrompida por um funcionário da CBTU. Com o protesto do público presente, a confusão se instala e exigimos, então, um esclarecimento por parte da produção. A produção alega que NÓS não temos autorização para realizar a intervenção no lugar, esquecendo-se de que a LIBERAÇÃO DO ESPAÇO constante na programação é RESPONSABILIDADE do FIT. Diante da evidente incompetência, irresponsabilidade e despreparo da organização do evento, o público se junta às performers numa ação de intervenção pela cultura de BH, deitando-se no chão e deixando as marcas de seus corpos e os escritos de seus protestos marcados a giz.
Ao final de tudo, com o circo armado e os fatos escancarados, recebemos, finalmente, um comunicado da FMC que, agora, se digna a falar conosco: a coordenadora Solanda oferece, entre pedidos de desculpas e esperanças de que não fiquemos tristes com o Festival, uma nova apresentação para sanar nossos transtornos.
Não, FMC. Não queremos panos quentes nem douração de pílulas. Mais do que “tristes com o FIT” estamos INDIGNADOS. Não queremos uma apresentação extra, quando tínhamos três em que poderíamos realizar perfeitamente o nosso trabalho.
QUEREMOS RESPEITO, DIÁLOGO, CONSIDERAÇÃO. QUEREMOS SEMINÁRIO DE AVALIAÇÃO NÃO SÓ DO FIT, MAS DAS POLÍTICAS CULTURAIS IMPLEMENTADAS POR ESSA GESTÃO. E, por último, queremos lembrar que não há luta sem ranger de dentes. Lembrar que as pessoas não sorriem quando estão sendo massacradas, desrespeitadas, manipuladas. Elas gritam, elas berram, elas lutam bravamente. Não esperem de nós atitudes menos combativas.
Fraternalmente,
Obscena
Agrupamento Independente de Pesquisa Cênica

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Perform-ações



Foto: Alexandre de Sena


É possível notar, dentro do cenário cultural de Belo Horizonte, um aumento significativo do número de coletivos de arte da cidade: sua proliferação, nos últimos dez anos, é um fenômeno visível, principalmente no campo das artes cênicas (mas não só). Esse não é, evidentemente, um fenômeno restrito ao contexto mineiro. Segundo levantamento realizado pela revista Subtexto (nº4) em 2007 (e mencionado por Fernando Mencarelli, em artigo recente cedido ao Grupo Teatro Invertido para publicação), o número de grupos de teatro no Brasil chega a três mil. Em igual medida, cresce o interesse e a valorização da produção realizada no interior desses coletivos: o surgimento de espaços exclusivamente destinados à criação e circulação da produção, além da manutenção, do chamado “teatro de grupo” em editais de festivais, patrocínios e prêmios do Brasil inteiro parece comprovar isso.
Talvez devido à consolidação de importantes encontros e festivais na área de artes cênicas (como o ECUM, o FIT-BH, o FID, o FITB, a Manifestação Internacional de Performance, o Festival de Performance de BH e o Festival Mundial de Circo) que têm proporcionado acesso não só a novas linguagens, por meio dos espetáculos, mas também a uma formação prática e a uma dimensão reflexiva do fazer artístico; bem como à criação de cursos de graduação em teatro na UFMG e na UFOP, à criação de importantes centros culturais, como o Galpão Cine Horto, do Grupo Galpão, e à proliferação de sedes descentralizadas de grupos – que têm propiciado não só o surgimento e a consolidação de redes de trocas/diálogos sobre a criação e a reflexão sobre a arte, mas também a ocupação artística em outros espaços/regiões da cidade, além do desenvolvimento de projetos que acabam por gerar novas agrupações – isso parece acontecer, em solo mineiro, de maneira especialmente fértil.
Segundo Rosyane Trotta, na análise que faz do mapeamento realizado pela Subtexto (em artigo publicado no número seguinte da revista), o número de grupos, em Minas Gerais, é de cerca de 250. O levantamento, como a própria revista explicita, é um tanto precário, tendo sido feito, segundo Trotta, por articulistas de diversas regiões do país a partir de critérios tão distintos quanto “realizar teatro de pesquisa” ou “organizar-se como agrupação cultural”. Ela ressalta que, no estado de Minas Gerais, há um forte movimento teatral capitaneado pelos grupos, o que permite fazer um levantamento a partir de balizas como filiação a movimentos ou entidades representativas, mas mesmo esses dados, a nosso ver, seriam imprecisos em relação a um expressivo número de coletivos que não se inserem nesses parâmetros.
Apesar da precariedade do levantamento feito pela Subtexto (sem instrumentos de pesquisa mais rigorosos, e dados, nesse sentido, mais concretos, a revista pode somente tecer um panorama algo impreciso, um esboço da realidade dos grupos no Brasil) e atender a critérios muito diversos, inclusive do que sejam os grupos de teatro, é possível vislumbrar alguns aspectos da arte produzida no interior de coletivos de criação. André Carreira, no artigo que abre a Subtexto nº4, levanta alguns critérios para orientar essa definição: para ele, uma característica comum dos grupos de teatro seria a busca de um trabalho criativo autônomo, não sujeito às leis de mercado ou da indústria cultural. Outras características seriam a duração dos projetos e a manutenção de equipes estáveis, o que implica em continuidade do trabalho realizado por essas agrupações. Este, muitas vezes, extrapola o âmbito artístico e atinge o âmbito social, em consonância com aquilo que parece ser mais uma das características dos coletivos: a necessidade de atuar em projetos sociais, principalmente ligados a setores menos privilegiados, e constituir seu espaço político.
A percepção de uma atuação política e social como intrinsecamente relacionada à atuação artística parece ser constituinte dos coletivos em arte. É interessante perceber, no entanto, que muitos dessas agrupações (pelo menos em Belo Horizonte), embora atuem política e artisticamente, não cabem dentro da denominação “grupos de teatro”: muitas delas propõem outras formas de organização coletiva – como redes de colaboração, agrupamentos independentes etc. – ou investigam linguagens que extrapolam, em muito, o que chamaríamos de “teatro”, transitando nas fronteiras entre as artes cênicas e as artes plásticas, entre a performance, a instalação e a intervenção urbana. Alguns desses coletivos vão, inclusive, propor formas de ação que ultrapassam limites espaciais e autorais – como a disseminação de projetos de performance, via internet, para ser realizados por outros agrupamentos em outras cidades/estados – e que colocam em discussão as relações entre o público e o privado e a noção de obra de arte.
Ações mais comuns no campo das artes visuais (como a distribuição que o Poro – www.poro.redezero.org – faz de azulejos de papel para que as pessoas preguem onde e como quiserem, ou as trocas que ocorrem via PIA – Programa de Interferência Ambiental, só para mencionar algumas), esses procedimentos começam a contaminar o campo das artes cênicas, como é perceptível na forma de organização proposta, por exemplo, pelo Obscena (só para citar um que, como participante, conheço de perto) que, conscientemente, rejeita a denominação de “grupo” e busca se diferenciar deste, ao se auto denominar como um “agrupamento independente de pesquisa cênica” que “funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea” (definição presente em seu site: www.obscenica.ning.com).
Exemplo de uma organização coletiva que não se encaixa, em ambos os sentidos (tanto na forma de sua organização, quanto em relação às linguagens que pesquisa), na denominação de “grupo de teatro”, o Obscena, apesar disso, tem muitas de suas características (talvez porque, em sua formação, o agrupamento seja composto, em sua maioria, por artistas oriundos de grupos de teatro, com experiência e formação em grupo), como a defesa da autonomia de criação e a continuidade no trabalho de pesquisa, além da atuação junto a determinados segmentos sociais. Na prática, isso significa que o agrupamento, constituído como uma rede de pesquisadores autônomos que dialogam suas pesquisas e materiais, de modo colaborativo, busca “instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas, além de encontros e possibilidades de expansão da rede com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse”.
Essa parece ser uma característica dessas novas formas de agrupações: a mobilidade das redes. Diferentemente dos grupos de teatro, os quais parecem ter um caráter mais “fechado” ou, até mesmo, “familiar”, esses coletivos buscam conexões que poderíamos chamar de “rizomáticas” (no sentido deleuziano), o que inclui a mobilidade de seus membros e a porosidade das relações com outras redes, mas também a ampliação de suas relações/trocas e a divulgação de seu pensamento, inclusive via internet, sendo comuns, em seus blogs, postagens que tanto relatam experiências realizadas, como propõem ações a serem feitas, disseminam imagens, constroem propostas e apontam vias teóricas. O que parece ser outra de suas características: o interesse em um aprofundamento teórico, inclusive do próprio trabalho, propiciando a reflexão crítica e a sistematização de procedimentos e de resultados. Interesse aliado à sua atuação política: há, aqui, uma idéia de “desautoria” e de coletivização dos saberes.
Essa idéia também se manifesta na desconstrução da noção de representação, presente na investigação artística de uma boa parte desses agrupamentos: a desconstrução da noção de obra de arte como algo acabado e entregue para ser fruído ao espectador, pois parece ser ambição de uma boa parte desses agrupamentos, criar “pensamento e zonas de interrupção no cotidiano da cidade e na percepção do cidadão através do ato artístico”, conforme explicita o Obscena em seu programa. Posso citar, além dele, Os Conectores, Conjunto Vazio (www.conjuntovazio.wordpress.com), Zona de Interferência (www.zonadeinterferencia.com), Vago e N3Ps como exemplos de outras agrupações rizomáticas contemporâneas presentes no campo das artes cênicas de Belo Horizonte.
Recentemente, o Obscena participou do Performações, interessantíssimo encontro de artistas performadores que, embora contando com a participação de um coletivo e tendo sido proposto por outro – o Zona de Interferência, como contrapartida da ocupação realizada por ele dentro do projeto Cenário, do Centro Cultural da UFMG – não teve como cerne da discussão a forma de agrupação, mas as possibilidades de atuação política da arte, especificamente no campo da performance (o Performações contou, ainda, com a presença dos performers Maurício Leonard e Paulo Nazareth e, como mediadora, com a pesquisadora e curadora do Festival de Performance de BH, Denise Pedron).
Muito me impressionou que, em uma noite de sábado, em plena copa do mundo de futebol, tantas pessoas estivessem interessadas (a sala estava cheia) em discutir as possibilidades políticas da arte (“será que temos conseguido fazer uma arte pública, política, urbana?”) nos “espaços esvaziados da vida pública nossa de cada dia”, nos espaços “privatizados, fechados, impermeáveis às diferenças” (essas foram algumas das provocações lançadas pelo Zona de Interferência aos artistas convidados).
Foi interessante perceber que, muitas das discussões – e ações – sobre as possibilidades políticas da arte (de forma alguma exclusivas dos coletivos) podem ser realizadas no campo da forma, re-discutindo-se o conceito de representação e a noção de espetáculo, constituindo-se, muitas vezes, no plano do estranhamento mais do que em uma configuração de teatralidade e, assim, criando frestas para uma ação microscópica, criando pontes para a ação do cidadão, antes “espectador” (é possível falar de público?), para uma ação que poderíamos denominar como coletiva e colaborativa. Cito, como exemplo, o trabalho Trajeto para Hélio ou uma coreoHeliogeografia, do também arquiteto Maurício Leonard (que fez, nessa noite, uma apresentação fotográfica de sua intervenção). Para isso, cito a descrição feita por Davi Pantuzza:

Segundo o próprio Maurício, a intervenção parte de uma imbricação entre geografia, biologia e biografia. Ela consistiu em espalhar sementes de Girassol pelos canteiros e jardins de um bairro da cidade com pequenas etiquetas colocadas na terra ou nos brotos anunciando que ali havia Girassóis brotando e pedindo para que as pessoas cuidassem. Depois que os Girassóis cresceram, iniciou-se a criação de diversas lendas e histórias das pessoas que tentavam dar um sentido para a existência daqueles Girassóis que, misteriosamente, cresciam em frente às suas casas ou em seus jardins particulares.

A intervenção parece se concretizar, de fato, a partir das ações realizadas pelo conjunto dos moradores do bairro, não só ao cuidar das mudas, mas também ao constituir uma espécie de tecido de suas narrativas sobre os girassóis. Esse aspecto microscópico e a linha tênue que, na performance, separa (ou alinhava) a arte e a vida – aspecto pontuado por Pedron, ao discutir o conceito de performance – está bastante presente no trabalho proposto por Paulo Nazareth, tanto em seu trajeto pela cidade com o peixe na boca quanto na narrativa de sua artebiografia.
Já para o Obscena, o que sustentou sua ação, nesse dia, foi a possibilidade de exercício concreto de uma rede colaborativa (caráter “público” e/ou coletivo que têm muitas de suas ações performativas), relacionado tanto à abertura (para a intervenção do outro: do cidadão, do “público”) que as ações propõem, como aos cruzamentos que ocorrem no interior mesmo da rede colaborativa que é o agrupamento, nas trocas e diálogos de pesquisa entre os artistas que a compõem. A partir das provocações lançadas pelo Zona de Interferência (e em consonância com os experimentos cênicos que o agrupamento vem investigando, desde março de 2007, em espaços públicos e com intensa atividade urbana da cidade), foram realizadas, de quatro às seis da tarde, nas imediações do CCUFMG, algumas intervenções:
1. Reperformando Moacir ou ovacione seu país. Reconvocando uma ação de interrupção (conforme a discussão de Lehmann, no epílogo do Teatro pós-dramático, sobre as possibilidades políticas da cena contemporânea) proposta pelo pesquisador Moacir Prudêncio nos inícios dos trabalhos do Obscena, essa intervenção consistiu em pregar bandeiras do Brasil que continham, em seu amarelo gema, a inscrição: “ovacione seu país” e colocar abaixo da bandeira uma caixinha com ovos crus. Foi realizada por mim e Saulo Salomão, nas imediações da arena de comemorações da copa, em “homenagem” ao nosso país, à seleção brasileira e aos decretos de controle e proibição do uso de espaços públicos pelo prefeito Márcio Lacerda: queríamos ver se alguém usaria os ovos para “ovacionar” a bandeira, mas isso não aconteceu. Alguns ovos foram levados por transeuntes. Evidentemente para serem consumidos.
2. Filas para o nada ou Fila de artistas aguarda liberação para utilização da praça pelo povo sem pagar aluguel. Proposta de Clóvis Domingos, instigado ao pensar na conformação dos corpos tiranizados pelas regras sociais e pelos ditames de uma sociedade consumista, as filas para o nada propõem a construção de filas que não sirvam a um fim: pegar o ônibus, pagar as contas, comprar ingresso. Realizada, nesse dia, em frente à arena de comemoração da copa (espaço proposto por Joyce Malta, com seu casaco amarelo gema), no local de atravessar a rua, a fila foi engrossada por transeuntes, atrapalhou o trânsito e causou ruídos em relação às regras de funcionamento da cidade (para muitas pessoas, tão acostumadas às filas, ela só podia ser um índice de que tinha sido instalado um novo sistema para atravessar a rua).
3. Mulher painel ou mulher não é bola de futebol. Continuação da investigação sobre o feminino que, desde 2007, eu e a atriz Lissandra Guimarães realizamos, a mulher painel junta, a um experimento anterior (já testado na praça sete em dia de Marcha Mundial das Mulheres) o desejo de testar novas possibilidades com o plástico, em nossas ações: o plástico que aceita qualquer forma e a tudo se molda (agradeço ao professor Ricardo Carvalho, da UFMG, por me enviar instigante dissertação de mestrado sobre a educação de meninas e o modelo Barbie). O experimento – que já consistia em cobrir o corpo de uma mulher com notícias de jornal, propagandas, fotos de revistas, relacionando estatísticas e dados da violência contra a mulher, à exposição corporal excessiva, imposta pela mídia, à reprodução de clichês corporais e imagens do feminino – ganhou, com a aquisição do plástico, em dinâmica e em “plasticidade” de formas. Conseguimos criar formas, quase roupas, a partir dos jornais: com um cone na cabeça, uma saia jornal e peitos de silicone-papel, Lissandra se configurava híbrida: algo entre o humano e o vazio, um manequim meio carne meio objeto. Muito interessante o que ela conseguiu provocar ao se postar em frente ao telão que passava o jogo EUAxGANA (nos homens, em sua maioria bêbados, que assistiam), ao circular pela arena, ao se postar ao lado das bandeiras de ovacione. As formas corporais que criou, ao se colocar disponível à leitura, como um verdadeiro painel.

Mas, para finalizar esse breve ensaio sobre Perform-ações, gostaria de destacar algo que, particularmente, me chamou a atenção por seu caráter de acontecimento, algo gerado por uma ruptura da linha que separa o artista do público, que separa “o que faz” daquele “que assiste” e que foi proporcionado pela ação de duas meninas (entre 7 e 9 anos, circulavam absolutamente sozinhas pela praça): ao me verem colocar mais uma notícia no corpo de Lissandra e enrolar seus braços com filme plástico, as meninas (Carina e Taís) ficaram absolutamente tomadas pela idéia de parecer-se com ela, de reproduzir, no próprio corpo, aquela imagem. Uma, Carina, me pediu para que eu a vestisse assim também, com a roupa de papel, os braços de plástico. Na menina, não tive coragem (nem vontade) de pregar nenhum dos materiais que eu trazia, a não ser as tarjetas escritas com “URGENTE” (que espalhei por todo o seu corpo) e uma bandeira do Brasil (que ela solicitou) e que preguei em seu ventre. Atravessadas pela imagem, agregaram-se a ela, seguindo a mulher painel em suas derivas pela praça. Em dado momento, ambas as meninas (Carina já sem a roupa de papel e plástico) pegaram alguns dos ovos (restos da primeira ação a causar outras possibilidades) e criaram um jogo constante de perigo para a performer: constantemente sob a ameaça de ser ela, e não a bandeira, ovacionada.
Referências
CARREIRA, André. Teatro de Grupo: diversidade e renovação do teatro no Brasil IN: Subtexto (revista de teatro do Galpão Cine Horto) nº4. Belo Horizonte: edição independente, novembro de 2007.
TROTTA, Rosyane. Grupos de teatro no Brasil: convergências e divergências IN: Subtexto (revista de teatro do Galpão Cine Horto) nº 5. Belo Horizonte: Edições CPMT, dezembro de 2008.

www.davipantuzza.blogspot.com
www.obscenica.blogspot.com
www.obscenica.ning.com
www.poro.redezero.org.



(publicado originalmente no portal Primeiro sinal, do Galpão Cine Horto: www.primeirosinal.com.br

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Mulheres à beira: uma leitura de Elisabeth está atrasada



Uma mulher, de camisola e pegnoir (ainda se usa esse termo?), está sentada a uma mesa. Ela recorta e picota páginas de uma revista enquanto o público entra. Estamos em uma segunda-feira de março, dia inusitado para se ir ao teatro. Apesar disso, a platéia está cheia. Atrás de mim, duas mulheres falam sem parar, talvez incomodadas por essa ação fora do tempo. Afinal, o espetáculo ainda não começou... Ou já? A mulher – com um cortador de papel – picota no ritmo da música meio bolero meio tango que soa. Aliás, a música aqui será muito importante. Por vezes, seus gestos se tornam furiosos. A música termina. O palco escurece.
De uma geladeira – no fundo, à direita do palco – sai Norma, que faz espuma com uma batedeira enquanto, em off, soam versos: “tu me quieres blanca...”. Os versos acabam e a batedeira é desligada. Ela se anuncia: várias em uma, vilãs de contos de fadas, arquétipo da esposa que já foi princesa um dia.
À esquerda, uma porta se abre e dela sai Rita: loira, de salto, corpete e liga. De costas para a platéia, maleta na mão, rosquinha no dedo indicador, ela se olha no espelho e coloca sua carta no jogo. Ela é a cobiçada, a mulher padrão. Para isso vomita e emagrece. E até descolore os seus cabelos. Para se tornar mais padrão.
À direita, outra porta se abre e sai Gigita que, de tailleur e com um inacreditável penteado para o alto, se anuncia: ela é a mulher que não se casou, que usa pílula. Ela não se mira no exemplo das mulheres de Atenas, no entanto não queima soutiens: afinal, é artigo de luxo, absolutamente caro.
O foco volta ao centro do palco, onde a mulher que picotava revistas está sentada. Agora é a vez de Teresa: mulher comum, de classe média, ela esconde um segredo e parece deprimida. Ela toma remédios para agüentar o dia e será dela um dos momentos mais pungentes da peça.
Os avatares estão colocados. Elisabeth está atrasada, montagem da Primeira Campainha, traz em cena quatro ótimas atrizes: quem assistiu Quando o peixe salta (Oficinão Galpão Cine Horto 2006), Pindorama 171 (Cena curta que estreou o projeto Cena Espetáculo em 2009) ou a cena curta Sobre dinossauros, galinhas e dragões (Festival de Cenas Curtas de 2008), já as viu em ação. Aqui, em Elisabeth, elas jogam dentro de um universo quase almodovariano.
Regra n° 1: os dados já foram jogados. O café já está na mesa. Crônica estabelecida.
Regra n° 2: uma proposta de leitura e uma confissão para cada uma. Uma de cada vez.
Regra n° 3: se é a sua primeira vez no clube do livro: você tem que chorar.

Tendo o RPG (role playing game) como ponto de partida para a criação, a montagem tem como ambiente de jogo uma sessão de chá/terapia/clube do livro e traz diversas referências pop, como o já mencionado cinema de Almodóvar e as canções de Abba e Queen (impagável a cena da banda de eletrodomésticos – ao som de Bohemian Rapsody – ao final da qual a vassoura é quebrada e queimada). Recheada de citações (muitas delas ligadas à psicanálise), a dramaturgia joga com o distanciamento e o sarcasmo, principalmente nas citações diretas, como as da jogadora/personagem Gigita ou do mestre do jogo que, por meio de trechos sobre a psicologia feminina, organiza a mediação das disputas/relações e dos diálogos que ocorrem entre elas. Apesar disso, na peça o masculino será um mero acessório.
A montagem, de concepção colaborativa, tem algo de inusitado e provocativo, quase subversivo, que já se encontrava presente nos trabalhos anteriores. Beirando o absurdo, quase carnavalesca, a peça coloca, de maneira crítica, algumas questões prementes do nosso tempo: a tirania do corpo, o papel social da mulher, as relações humanas. O que está em pauta, é o feminino. Em um jogo quase coreográfico, as mulheres vão desfilando suas questões e desenrolando situações, que vão do cômico ao pungente. A cena da confissão de Teresa é dotada de uma profundidade e emoção que exigem da atriz – Marina Arthuzzi, que também assina a direção – bastante sobriedade no tratamento. Não à toa, ela foi indicada como melhor atriz ao Prêmio SESC/SATED. Elisabeth está atrasada é uma ácida e deliciosa tragicomédia, absolutamente conectada ao pulso da contemporaneidade.

sábado, 27 de março de 2010

dia internacional da mulher




08 de março de 2010. 100 anos do dia internacional da mulher...

no último dia 08, fizemos mais uma intervenção de baby dolls na praça 7. do outro lado da avenida, no outro quarteirão, as companheiras da Marcha Mundial das Mulheres faziam sua caminhada/protesto. policiais da tropa de choque espalhados por toda a praça, prontos para conter o bando subversivo e perigoso das mulheres.
do nosso lado, vários deles se postavam em torno da macdonald´s, como a protegê-la... ai, ai...
não é à toa que a marcha associa o machismo ao capitalismo, estão completamente interligados. a proteção policial ilustra bem essa ligação.
como ilustram as propagandas e promoções que lotam não só esse dia, mas o mês da mulher porque, afinal de contas, "um dia só é pouco" para nos homenagear...

"toda mulher é cheia de desejos. a Suggar faz tudo para atendê-los." e vemos o desenho de uma mulher sorridente, cercada por balõezinhos de pensamentos (seus desejos) preenchidos por modernos eletrodomésticos... o que mais uma mulher desejaria?

"dia internacional da mulher: participe e concorra a um dia inesquecível no spa one day"... claro, além de eletrodomésticos modernos, um dia inteirinho de cuidados com a beleza.

promoção seda:"concorra a sapatos, vestidos e a consultoria de..." promoção do twitter: "participe e ganhe uma bolsa!"
e por aí vai.

ao ligarmos a televisão, vemos, predominantemente, a mulher em dois papéis: a gostosa da cerveja e a limpadora de casa, cuidadora do lar... e dá-lhe gleidy sachê, veja multiuso, repelente de inseto... e dá-lhe cuidar do maridinho, da família e do lar...
segundo a antropóloga mirian goldenberg, no brasil ainda a figura masculina é super valorizada, fazendo com que a mulher, para se valorizar, recorra ao "capital marital", termo que ela cunhou para designar o marido conquistado e exibido como um troféu. afinal, que adianta eu ser profissional reconhecida, qualificada e respeitada, se não tiver um marido provando que, apesar disso, eu continuo a ser mulher, feminina, delicada e dedicada ao lar?
enquanto isso, islaines continuam a ser assassinadas por seus capitais maritais que, em contrapartida, não as valorizam.
já repararam que um homem, por pior que esteja (como bem destacou a lissandra durante a intervenção realizada no último sábado, na mesma praça, ao ser abordada por um sujeito em condições pessoais precárias), ainda se sente superior a qualquer mulher e a aborda do alto de sua arrogância?

afinal de contas, como diria uma garota de programa que anuncia nos classificados, nós engolimos tudo, sem frescura.