quinta-feira, 27 de setembro de 2012

eu aborto, tu abortas, somos todas clandestinas


Eu fiz um aborto. Já mãe, com a minha vida resolvida e sem desejo nenhum de ter outro filho e "começar tudo de novo", resolvi abortar. E como foi difícil! Não dentro de mim. A decisão estava tomada e eu estava tranqüila, apesar dos sentimentos de culpa e sensações supersticiosas (resquícios de minha criação católica) de que eu seria punida. Sensações que eram intensificadas na medida em que eu percebia como era difícil fazer um aborto em um país no qual ele não é legalizado. Não conseguia referências médicas - quando as conseguia, os médicos não mais atuavam pelo risco que isso implicava - e não consegui acesso aos remédios que possibilitariam realizar um aborto medicinal. Quando obtinha informações, os remédios eram caríssimos e a fonte não confiável (corria o risco de comprar os remédios, tomá-los e a gravidez não ser interrompida). Percebi o quanto a ilegalidade do procedimento favorece o nascimento de um mercado que se aproveita da fragilidade da situação em que as mulheres se encontram, de um mercado que explora o desespero alheio.
Por fim, com uma ONG internacional, consegui o oferecimento dos medicamentos, em um valor razoável (cobrado para que outras mulheres, sem condição financeiras, possam recebê-los de graça)
Nesse meio tempo ficava o tempo inteiro imaginando se eu não tivesse as condições que eu tinha: financeiras, emocionais, familiares. Eu estaria perdida! Sozinha, sem opções e sem ajuda e com muito medo: da punição legal, do risco físico concreto e confrontada com a possibidade de ter que criar um filho indesejado. UM FILHO INDESEJADO. Quando, de fato, as coisas poderiam (e deveriam) ocorrer de modo muito mais simples e seguro.
Finalmente, os medicamentos chegaram no último minuto do segundo tempo e realizei o aborto: este foi fisicamente muito tranquilo. Ou seja, se houvesse descriminalização do aborto, o processo seria bastante simples: sem medo, sem culpa e sem risco. Não para mim. Mas para as milhares de mulheres que engravidam sem querer e que não têm condições ou não querem levar a gravidez a termo. Está na hora de acabar com essa hipocrisia social: os abortos acontecem, independente da ilegalidade. Esta só favorece a exploração da situação de desespero em que as mulheres se encontram. Só favorece o mercado negro dos medicamentos. Só favorece o risco e a morte de milhares de mulheres, todos os anos.


As mulheres "entre 20 e 29 anos, em união estável, com até oito anos de estudo, trabalhadoras, católicas e com pelo menos um filho" formam o maior grupo que pratica aborto no país,segundo estudo realizado pela Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Ainda segundo a pesquisa, entre "70,8% e 90,5% de quem opta pelo procedimento já tem filhos".
 - Mais de 1 milhão de gestações foram interrompidas em 2005.

- Pelo menos 3,7 milhões de brasileiras entre 15 e 49 anos realizaram aborto. Ou seja, 7,2% das mulheres em idade reprodutiva. Menos da metade chega ao Sistema Único de Saúde (SUS).

- De 51% a 82% dos abortos são realizados por mulheres entre 20 e 29 anos. Adolescentes respondem por 7% a 9% das estatísticas.

- Somente 2,5% das interrupções de gravidez ocorreram em um contexto de relações eventuais.

- Mulheres que vivenciam relações estabelecidas (tem marido, companheiro ou namorado) responde pela maior parte dos abortos: 70% dos casos.

- Entre 70,8% e 90,5% de quem decide pelo procedimento já possui filhos.

- Mais de 50% das mulheres que abortaram nas regiões Sul e Sudeste usavam algum método anticoncepcional, principalmente pílulas. No Nordeste, essa porcentagem oscila entre 34% e 38,9%.

- Das adolescentes, entre 60% e 83,7% delas não pretendiam engravidar, e 73% cogitaram a interrupção da gestação, sendo que 12,7% a 40% das garotas tentaram abortar. Entre aquelas que consumaram o ato, 25% voltaram a esperar um filho.

- A maior parte das mulheres que fizeram aborto se declarara católica, com 51% a 82% de prevalência, seguida pela que professa a fé espírita, com 4,5% a 19,2%. Em último lugar estão as evangélicas - entre 2,6% e 12,2%.

- De 50,4% a 84,6% das mulheres que cessaram a gestação utilizaram o medicamento Cytotec. Entre as adolescentes, o método também aparece com destaque: mais de 50% afirmaram tomar o Cytotec ou ingerir algum tipo de chá.

- Nos anos 2000, um estudo entre jovens de 18 a 24 anos mostrou que renda familiar e escolaridade foram fatores associados à indução do aborto na primeira gravidez: quanto maior a renda e a escolaridade, maiores as chances de a primeira gravidez resultar em um aborto. 
Fonte da UFPel: relatório Aborto e Saúde Pública: 20 anos de Pesquisas no Brasil.

Estudos do Instituto Alan Guttmacher (IAG, em www.agi-usa.org) informam que nos países em desenvolvimento ocorrem 182 milhões de gestações anuais. Estima-se que 36% dessas gestações não foram planejadas, entre as quais 20% terminam em aborto.

A América Latina e o Caribe contribuem significativamente para estes números. As estimativas feitas pelo IAG apontam que, a cada ano, são realizados cerca de 4 milhões de abortos clandestinos e inseguros nas duas regiões.

A Organização Mundial de Saúde divulgou dado sobre mortes maternas relacionadas ao aborto. Segundo a OMS, 21% das mortes (cerca de 6 mil/ano) relacionadas com a gravidez, o parto e o pós-parto, nesses países, têm como causa as complicações do aborto realizado de forma insegura.

Segundo o documento Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, publicado pelo Ministério da Saúde em março de 2004, no Brasil 31% de gestações terminam em aborto. Anualmente, ocorrem no país aproximadamente 1,4 milhão de abortamentos, entre espontâneos e inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos.
 Segundo a ANDI (Agência de Notícia dos Direitos da Infância), a cada dia cerca de 140 meninas têm a gravidez interrompida. A cada hora, seis adolescentes entram em processo de abortamento.

Ainda segundo o documento, em 2002 foram registrados 53,77 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos, devido a complicações na gestação, no parto ou no puerpério (período de 42 dias após o parto). Entre as principais causas dessas mortes, destacam-se a hipertensão (13,3%), hemorragia (7,6%), infecção puerperal (3,9%) e aborto (2,7%). No entanto, o documento faz uma importante ressalva: para a Área Técnica de Saúde da Mulher, os casos de mortes por abortamento podem ter sido maiores, já que muitas vezes as complicações decorrentes do aborto são registradas como hemorragias e infecções, o que pode camuflar as estatísticas do abortamento.

Dados do SUS indicam que em 2004 foram realizados 1.600 abortos legais em 51 serviços especializados do SUS ao custo de R$ 232 mil. No mesmo ano, ocorreram no SUS 244 mil internações motivadas por curetagens pós-aborto ? entre estes abortamentos espontâneos ou voluntários e feitos na clandestinidade - orçadas em R$ 35 milhões. As curetagens são o segundo procedimento obstétrico mais praticado nas unidades de internação, superadas apenas pelos partos normais.


Veja também: precisa de um aborto?

este post faz parte da blogagem coletiva pela descriminalização e legalização do aborto:
http://blogueirasfeministas.com/2012/09/blogagem-coletiva-pela-legalizacao-do-aborto/

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Rhoda Collage

Agora, estamos a salvo. Agora, nous pouvons voltar a nos endireitar. Agora, nous pouvons estender les bras no meio desta vegetação tão alta, dans ce vaste bois.
Não ouço nada.
– Agora vous voulez se afastar de mim, você e suas frases. Agora, vous voilà! me puxa a saia, olha para trás e constrói mais frases. 
Je vais placer ici une tête de pois de senteur, je vais colocar um farol aqui. Agora, vou embalar a minha taça d´argent d´un coté à l´autre para que os meus navios possam cavalgar as ondas. Quelques-uns vão se afundar. D´autres vont se briser contra os rochedos.
Mas há um que navega sozinho. C´est le mien, celui-là.
Le choeur nocturne a commencé. des chiens, rodas, des hommes que gritam, des cloches qui sonnent. O começo de um cântico.
Visto a roupa de dormir e je me couche por baixo deste fino lençol qui flotte dans la clarté diffuse.  Estou coberta por carne quente.
Contudo, sei que vou esticar os pés para que possam toucher na barra de ferro da cama; En touchant le barreau de fer, je constate la présence rassurante de quelque chose de... sólido.
Agora, já não posso afundar; agora, já não posso cair complètement à travers le lençol. Agora, estendo mon corps nesse frêle colchão et je plane suspendue. Je suis au-dessus de la terre. Já não estou de pé, já não podem me derrubar ou me ferir.
É melhor sair destas águas. Mais les vagues elas amontoam-se à minha volta, elles me roulent por entre leurs larges épaules; fazem-me virar; fazem-me tombar; je suis estendida parmi ces longues lumières, nestas ondas enormes, nestes caminhos sem fim.




Jinny


Tomo consciência deste mundo. Parmi les êtres femmes vertes, roses, perles-grises, sont les corps droits des hommes. Ils sont blanc et noir ; semblent un secret, tellement encaixados assim em suas roupas. Volto a ver a imagem de um túnel refletida na janela. En mouvement. Moi, j´avance e as figuras pretas e brancas daqueles homens desconhecidos miram-me. Suas mãos esvoaçam até as gravatas. Tocam coletes, bolsos, lenços. Ils sont très jeunes et ils sont ansiosos por causar boa impressão. Sinto brotar em mim milhares de possibilidades. Je suis brejeira, gaie. Mais oui também sou languissante, melancólica...



Apesar de enraizada, j´ondoie. Penchée à droit, toda dourada, je dis à un homem: “Viens”. Puis, ondulando nas sombras, eu digo a outro: “Non”. Há um que se afasta do grupo. Ele sai de sua imobilidade. Il approche.  Il vient em minha direção. C´est le moment le plus excitant que eu já vivi. Je frémis, j´ondule. J´ondoie comme une plante flottant dans la rivière, deslizando ora nessa direção, ora em outra... mas sob a superfície da água, solidamente enraizada: pois só assim ele poderá vir ao meu encontro, sem medo que a corrente me leve...
“Viens”, digo, “viens”. E ele pálido, de cabelos escuros, romântico, melancólico. Pour lui, eu me mostro brejeira, volúvel, caprichosa, justamente porque ele é romântico, melancólico. E está aqui, ao meu lado.
Agora, com um ligeiro puxão, sou arrebatada: sou levada para longe, junto com ele. Uma douce courant nos emporte. Saímos e entramos ao som desta música hesitante. Corpos rochedos interrompem a torrente de dança. Elle s´agit, estremece. Nossos corpos, forte o dele, fluido o meu, ils sont pressionés, um contra o outro, dentro do corpo cercle parfait dessa dança. Ah, ela nos embala, em suas dobras sinuosas, d´un coté a l´autre. A música para, de repente.
Apesar disso, o meu sangue continua a correr. 

estou coberta por carne quente


O beijo


Próximos daqui, Bernard, Neville, Jinny e Susan (mas não Rhoda) afagam os canteiros com as suas redes. Caçam as borboletas que pousam nas flores. Varrem a superfície do mundo. As redes estão cheias de asas esvoaçantes. “Louis! Louis! Louis!”, eles gritam. Mas não podem me ver. Estou do outro lado da sebe. Entre as folhas existem apenas diminutos orifícios para espreitar. Oh, Deus, fazei com que passem! Fazei com que deponham suas borboletas sobre um lenço no chão. Fazei com que contem as suas borboletas com manchas pretas e amarelas, as suas vanessas e borboletas-da-couve, mas que não me vejam. Sou verde como um teixo à sombra da sebe. Estou enraizado no centro da Terra. O meu corpo é um caule. Espremo o caule. Uma gota poreja na cavidade da boca, vagarosa, densa, e, aos poucos, vai-se tornando maior, cada vez maior. Agora, qualquer coisa cor-de-rosa passa pelo orifício. Agora, o raio de luz de um olho desliza pela fenda. A luz que dele emana incide sobre mim. Sou um menino num traje de flanela cinza. Ela me encontrou. Um toque na nuca. Beija-me. Tudo se desmorona.
Eu corria depois do café – disse Jinny. – Vi folhas que se mexiam num buraco na sebe. Pensei: “É um pássaro em seu ninho”. Afastei os ramos e olhei, mas não vi pássaro nem ninho. As folhas continuavam a mover-se. Fiquei assustada. Passei correndo por Susan, Rhoda, por Neville e Bernard, que conversavam no galpão. Enquanto corria, cada vez mais depressa, eu gritava. O que movia as folhas? O que move meu coração, minhas pernas? Foi então que aqui cheguei e te vi, verde como um arbusto, como um ramo, muito quieto, Louis, com os olhos vítreos. “Estará morto?”, pensei, e te beijei. Por baixo do vestido-rosa, o meu coração saltava como as folhas que, sem nada que as faça mexer, não param de oscilar. Agora, sinto o aroma dos gerânios; agora o cheiro do húmus. Danço. Ondulo. Sou lançada sobre você como uma rede de luz. E deixo-me ficar deitada sobre você, tremendo.
Pela fresta na sebe, eu a vi beijando-o – disse Susan. – Ergui minha cabeça do vaso de flores e espreitei pela fenda da sebe. Vi-a beijando-o. Vi Jinny e Louis beijando-se. Agora, vou embrulhar minha angústia dentro do meu lenço. Vou amassá-la numa bola apertada. Antes das aulas, irei sozinha ao bosque das faias. Não ficarei sentada à mesa fazendo cálculos. Não vou sentar perto da Jinny e do Louis. Vou levar minha angústia e depositá-la nas raízes, sob as faias. Vou examiná-la, pegá-la entre meus dedos. Não me encontrarão. Comerei nozes e procurarei ovos em meio aos espinheiros, meu cabelo ficará emaranhado, e vou dormir sob as sebes, bebendo água das poças, e vou morrer lá.
Susan passou por nós – disse Bernard. – Passou pela porta do galpão com seu lenço todo amassado numa bola. Não chorava, mas seus olhos, tão bonitos, estavam apertados como os de um gato antes do pulo. Vou atrás dela, Neville. Vou atrás dela com todo o cuidado para estar a seu alcance, com meu interesse, para confortá-la quando toda aquela fúria explodir e ela pensar: “Estou sozinha”. Agora ela atravessa o campo com toda a calma, para nos enganar. Agora chega à encosta: pensa que ninguém a vê e começa a correr com os punhos cerrados. As unhas cravam-se na bola em que o lenço se transformou. Corre para o bosque das faias, para longe da luz. Quando chega, abre os braços e entra na sombra como se nadasse. Mas está cega depois de tanta luz, e acaba por tropeçar e cair junto às raízes das árvores, onde a luz aparece e desaparece, inspira e expira. Os ramos movem-se para cima e para baixo. Aqui, a agitação é muita. Há sombra e a luz é indecisa. Tudo está pleno de angústia. As raízes formam um esqueleto no solo, com folhas mortas amontoadas nos cantos. Susan espalhou sua angústia. Pousou o lenço nas raízes das faias e soluça, dobrada sobre si mesma no ponto onde caiu.

a luz azul passeia.


A luz azul passeia. Recorta uma paisagem enluarando. No quadrado de luz, recostam-se duas pessoas. Elas conversam e sorriem relaxadas, mas não as ouvimos. O homem na guitarra improvisa a sua melodia enquanto a mulher que observa folheia o livro. Ela diz:
(enquanto ela narra, pode-se alterar, se for desejável, a luz da paisagem, talvez dando a ela os tons luminosos do sol).
“O Sol ainda não nascera. O mar não se distinguia do céu, a não ser pelo encrespado que cortava sua superfície, como um tecido que se enrugasse. Aos poucos, à medida que o céu clareava, uma faixa escura estendeu-se no horizonte, dividindo o céu e o mar. Então, o tecido cinzento coloriu-se de manchas movendo-se uma após outra, junto à superfície, perseguindo-se mutuamente, sem parar.
(pode-se também jogar com a projeção de paisagens, talvez substituindo a luz pura, a partir de algum momento. Sugere-se uma sucessão de cores ondas árvores folhas raiosol)
Aproximando-se da praia, cada uma dessas ondas erguia-se, acumulando-se para então quebrar-se e espalhar pela areia um fino véu de água branca. A onda parava, e partia novamente, suspirando como uma criatura adormecida, cuja respiração vai e vem sem que disso se aperceba. Aos poucos, a faixa escura do horizonte acabou por clarear, tal como se a borra numa velha garrafa de vinho se tivesse acomodado, restituindo à garrafa a sua cor verde. Atrás dela, também o céu ficou translúcido, como se os sedimentos brancos que ali se encontravam tivessem afundado, ou como se um braço de mulher oculto por detrás da linha do horizonte tivesse erguido uma lâmpada que espalhasse, por todo o céu, raios de várias cores, branco, verde, amarelo, como se fossem as varetas de um leque. Então, ela levantou ainda mais o lampião, e o ar pareceu tornar-se fibroso e apartar-se daquela superfície verde, bruxuleando e chamejando em flamas vermelhas e amarelas, como às que se elevam de uma fogueira. Docemente, as fibras da fogueira fundiram-se numa só brasa, uma incandescência que levantou o peso do céu cor de chumbo que a cobria, transformando-o num milhão de átomos de um macio azul. Docemente, transluziu a superfície do mar, e as ondas ali se deixaram ficar, murmurando e brilhando, até que as faixas escuras quase desapareceram. Docemente, o braço que segurava a lanterna elevou-se ainda mais, até uma chama brilhante se tornar visível; um disco de fogo ardendo na fímbria do horizonte, acendendo o mar inteiro em ouro.
A luz incidiu sobre as árvores no jardim, tornando, primeiro, esta folha transparente, e só depois aquela. Lá no alto, um trinado de pássaro. Depois pausa. E logo abaixo, outra ave soltou seu gorjeio. O sol aguçou os contornos da casa e pousou como ponta de um leque sobre uma cortina branca do quarto de dormir, deixando ali uma impressão digital azulada. A cortina estremeceu ligeiramente, mas, dentro da casa, tudo era penumbroso e sem substância. Fora, os pássaros cantavam uma melodia sem sentido.           

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Exercício para um teatro que virá




Agora, estamos a salvo. Já nos podemos voltar a endireitar. Já podemos estender os braços no meio desta vegetação tão alta, no meio deste bosque tão grande.
Não ouça nada.
– Estás-te a afastar, tu e as tuas frases. Agora, puxas-me a saia, olhas para trás e constróis mais frases. 
Vou colocar um farol aqui. Agora, vou embalar a minha taça castanha de um lado para o outro para que os meus navios possam cavalgar as ondas. Alguns afundar-se-ão. Outros despedaçar-se-ão contra os rochedos.
Mas há um que navega sozinho. É o que é verdadeiramente meu.
...
Estou coberta por carne quente.
Aperto o pijama e deito-me por baixo deste fino lençol, flutuando numa luz pálida. 
O começo de um cântico. rodas, cães, homens a gritar, sinos de igreja. o começo de um um cântico.
- No momento em que dobro o vestido, ponho de parte o desejo.
Contudo, sei que vou esticar os pés para que possam tocar na barra da cama; quando a tocar, ficarei mais segura por sentir qualquer coisa de sólido.
Agora, já não me posso afundar, agora, já não posso cair através do lençol. Agora, estendo o corpo neste frágil colchão e fico suspensa. Estou por cima da terra. Já não estou de pé, já não me podem derrubar nem estragar.
É melhor sair destas águas. Mas elas amontoam-se à minha volta, arrastam-se por entre os seus grandes ombros; fazem-me virar; fazem-me tombar; fazem-me estender por entre estas luzes esguias, estas ondas enormes, estes caminhos sem fim.

(apropriando-me de as ondas, de virginia woolf: cortes, colagens, transformações)

‎"eu quero poder falar com vida, sem que a palavra pareça... folha? falsa? fraca?"


Uma douce courant... interrompe. 
belo tango. ações corporais. 
Fred e Lica giram numa quasedança. 
Leandro e Saulo compõem com Wagner um só animal. ele bate palmas. 
a dramaturga escreve, sob a luz da lanterna. faz parte da cena? 
gritos gorgolejos da música lembram à Lica as mulheres galinhas de strange fish. ela dança as mulheres com Saulo em um salão de baile cheio de corpos. 
Clarissa examina Matheus. Depois examina Admar. Ela examina rostos em meio à dança.
 Why? Why? Why? Uai! Uai... Why... É a palavra do corpo. O corpo é frase.


Ensaio das Ondas, ontem, dia 18.09.2012. na Gruta!