festival internacional de teatro de são josé do rio preto. 11 de julho de 2008. ontem assisti aqueles dois, montagem do luna lunera sobre a obra de caio fernando abreu.
preciso falar sobre eles.
Os atores se aquecem. Seus corpos brincam/dançam no espaço. O público entra. Primeiro sinal: uma carta de Caio. O público entra. Os atores se preparam. Ajudam o público a se acomodar. Revezam-se ao microfone. Pequenas pílulas do que virá depois.
As narrativas permearão todo o trabalho. Os quatro atores revezam-se agora, os corpos em contato, como se revezarão para compor esses dois homens, mas não só. São várias as camadas dessa textura (texto, obra, história?) e instâncias de atuação. Revezam-se personagens, narradores, atores narradores e os atores criadores dessa tessitura. A história de dois homens – almas especiais num deserto de almas – mistura-se ao processo de criação da obra. O processo está ali e se desenvolve aos olhos do espectador. Texturas. A obra não está sozinha. Raul e Saul confundem-se com seus criadores. Confundem-se gostos e almas. Quais discos são de Saul (ou Raul?), quais são do ator? É o pássaro Gardel quem desafina na última nota ou é o ator que empresta seu assovio? Ele desafina na última nota, reparou? É tão bonitinho... isso se viu aqui. Como vimos o encontro no café de todo dia. A rotina da repartição. Os filmes que os unem (são Raul e Saul que gostam de Almodovar ou são os atores?).
O que não vimos, eles nos contam. Escolhem trechos do conto, revelam seus pensamentos/posições sobre os personagens. Dedicam aquele dia a alguém. Eles sempre dedicam. Hoje, aqui em são josé, o espetáculo será dedicado a Roberta Carreri e Torgeir Wethal, companheiros de Eugênio Barba e é ele quem diz: será ação tudo aquilo que atingir o espectador em sua sinestesia ou compreensão. A dramaturgia nada mais é do que isso. Composição de ações e o texto, nada mais que tecido, trama, tessitura. Aquilo que atinge não só o espectador, mas o criador engajado na obra.
No ínicio, um dos atores, Odilon, diz as palavras de Caio: as pessoas reclamam que eu transformo em palavras todo o meu processo mental, “processo mental”, é assim que eles falam, e eu acho engraçado. E que isso assusta as pessoas, que é preciso disfarçar, enganar, mentir, esconder e eu não queria que fosse assim. Queria que as coisas fossem mais simples, mais claras, mais limpas. E o ator diz: “Caio Fernando Abreu, Carta pra além do muro, página 249. Eu não lembro o nome do livro, da edição, mas a página eu nunca esqueci. Página 249”. Lembrei-me disso porque não posso deixar de mencionar o que me parece ser a questão fundamental que move a criação dessa obra: a relação entre as representações sociais e teatrais. Porque aqui tocamos nas máscaras, fingimentos e preconceitos. Tocamos no olhar do outro. Eu disse que o processo se desenvolve aos olhos do espectador. Sob esse olhar obsceno. Como são obscenos os olhos vazados, sem íris nem pupilas que nos olham no final. Desenhos na parede do fundo daquele galpão preparado para receber essa montagem. Olhos vazados, sem expressão nem sentimento. Olhos incapazes de ver para além das imagens que já conhece. Das representações que já domina. Dos rótulos que propaga. E que serão infelizes. Se deus quiser.
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