quinta-feira, 2 de maio de 2013

dancemos, dancemos tod@s, senão, estaremos perdid@s!

é engraçado que, ao parafrasear pina para fazer meu título e falar de uma condição hoje vital para mim, defrontei-me também com a marcação de gênero. e com a percepção do modo como estas duas questões - a dança e o feminismo - estão, a meu ver, em muitos momentos do meu trabalho, misturadas... explico.
sábado, dia 27 de abril, participei da performance de rua "dançar é uma revolução!". essa ação, organizada por um coletivo (não-organizado) de mulheres, pretende-se mensal e itinerante. a idéia é que, no último sábado de cada mês, mulheres se reúnam, em alguma praça de belo horizonte, para dançar contra a violência.
na primeira vez que fizemos, foi como uma resposta ao convite do one billion rising, evento de ordem mundial que tem a seguinte chamada (aqui em versão livre): "uma em cada três mulheres será agredida durante toda a sua vida. 1 bilhão de mulheres agredidas é uma atrocidade. 1 bilhão de mulheres dançando é uma revolução". lembro-me que o dia marcado para acontecer a ação, no mundo, havia sido 14 de fevereiro. no entanto, em várias cidades do brasil a coisa estaria acontecendo no sábado, dia16.
foi legal observar isso porque, ao receber um convite de uma amiga de londrina, pelo face, para participar da ação no dia 14, ou seja, para dançar em qualquer lugar, em minha cidade, pensei que seria interessante fazer isso coletivamente (acredito muito que pelas experiências anteriores do obscena com a marcha mundial das mulheres e com outras performers feministas com quem dialogamos sempre, experiências sempre muito produtivas, do ponta de vista político e estético) e, como estava muito em cima da hora para fazer na quinta, acabei chamando esses grupo de mulheres parceiras, colaboradoras, a desenhar, para o sábado 16,  uma dança/ação coletiva na praça 7, lugar tradicional de protesto na cidade.
partimos de alguns elementos já desenvolvidos pelo obscena - como a idéia de dançar cada uma a sua música, com fones de ouvido, como na ação performática festa no metrô - e de outros, que surgiram de símbolos do movimento feminista, como a cor roxa para nos vestirmos; ou das ações individuais, como a escrita a giz no chão - que desenvolvo em minhas ações desde 2008 - ou o cartaz da resistência negra, empunhada por luana tolentino.

e assim fizemos: de roxo e branco, cada uma com um set musical diferente, que escutava em seus fones de ouvido, dançamos juntas, na praça: eu, joyce malta, lissandra guimarães, clarissa alcantara, flavia fantini, debora fantini, hozana passos, luana tolentino, romênia reis, raquel medeiros, leticia castilho, thálita mota, kristoff silva, áurea carolina, scheylla bacelar... 
ah, foi bom. ver uma mulher que passou por ali, parar e dançar conosco, porque "já apanhou muito e agora não apanha mais. nunca mais".foi bom dialogar com a cidade a partir do corpo e do giz. misturar, à minha dança, e à dança das outras, palavras que falavam da gente e da situação contra a qual lutamos diariamente e em razão da qual estávamos ali.
daí, a partir desse dia, uma de nós, letícia castilho falou: não seria ótimo se a gente dançasse toda semana, até as pessoas começarem a falar "ó, ali estão aquelas mulheres que dançam contra a violência..."?
achei essa idéia tão linda. levei tão a sério, que resolvi propor um grupo no facebook para organizarmos essa ação. senão semanal, como se mostrou inviável, pelo menos mensal. e uma questão para mim era: como torná-la mais marcante, inclusive para nós?
no mês seguinte era março e resolvemos fazer a ação no dia internacional das mulheres. por um lado, foi muito interessante a integração à marcha e desenvolvê-la junto com o obscena. por outro, a ação, em si, perdeu a força, diluiu-se em uma massa que, por sua vez - o que foi ótimo! - ganhou força nessa junção coletiva, como também ganhou força os corpos que traziam representações individuais - do véu muçulmano ao corpo machucado - em performances que ocorriam a todo momento.

foto: Matheus Silva


agora, em abril, optamos em dançar na praça da rodoviária e dancei com o corpo escrito, dancei com várias palavras de ordem em meu corpo, desde "não é não" e "meu corpo, minhas regras" até "dançar é uma revolução", ou com dados concretos, como aquele da chamada: "1 a cada 3 mulheres será agredida" ou a estatística brasileira, "10 mulheres mortas por dia". e, para mim, a ação, feita assim, foi bem reveladora!

 Foto: Nina Caetano


a dança se revelando quando, com a escrita no corpo, as palavras também sugeriam movimentos, para serem vistas. para serem lidas. foi uma experiência bem interessante, principalmente ao pensar que ela vem de uma trajetória de ações investigadas dentro do obscena, de experimentos que lidam com aquilo que tenho chamado de escrita performada: a escrita no calor da ação performativa.
vejo isso desde baby dolls, com as primeiras escritas a giz no chão (na verdade, vejo antes: desde a vitrine dos corpos prostituídos, proposta por marcelo rocco, ainda no teatro marília, em 2008) até espaço disponível, anuncie aqui, intervenção realizada pelo obscena no evento corpolítico, em março de 2013, passando pelas mulheres painel, experimentadas em diálogo por lissandra guimarães e por mim junto a outras mulheres, como, por exemplo, na ação performática 25 de novembro... nela, é evidente também os rastros de ações lúdicas, como a já citada festa no metrô...
por outro lado, vem se intensificando, cada vez mais, a relação com a dança. dentro do processo das ondas, um material que vinha me instigando dizia respeito à jinny, talvez a personagem mais corpo de virginia, e eu já havia até brincado com a idéia de uma dança de palavras e de tecer um tango com elas - clarissa já havia até feito uma primeira versão musicada disso... e, recentemente, fred caiafa propôs trabalhar também a partir da dança, do que ele está chamando de uma dança de afetações.
com o interesse cada vez mais nítido de levar as ondas para as ruas, resolvemos, então, eu e ele, sair - e para isso chamamos joyce, em primeiro lugar, para dialogar conosco a partir de seus materiais sonoros e performáticos, e também todos os demais, incluindo clóvis, que não está nas ondas, mas está - para uma deriva dançada pelo centro da cidade. essa deriva tinha o intuito de traçar um mapa psico-geográfico-corporal, uma corpografia das luzes e sombras da cidade.
fomos eu, fred, joyce, clóvis e leandro. nos encontramos às sete, na praça da estação, e rumamos em direção ao viaduto de santa tereza, pela andradas. joyce, com o gravador, captava nossas vozes e os sons do centro nervoso. nós todos nos lançamos em distintas experiências.
eu parti em busca da sombra. e como era múltipla e tênue! como a cidade é iluminada! ou, como disse clóvis, ensolarada... além da sombra, uma frase me guiava: estou coberta por carne quente. como as palavras escritas no corpo, no outro dia, essas palavras inscritas na pele guiavam meu movimento. em diálogo com as sombras. e com as luzes que passavam.
quando chegamos embaixo do viaduto de santa tereza, a configuração do trabalho se alterou. se antes, o movimento era de ordem bem individual, ali ganhou uma dimensão mais coletiva. trabalhávamos em um mesmo fluxo de ações. recuperamos movimentos já improvisados nas ondas. ensaiamos dançar com a arquitetura e com os passantes. ações surgiam fugazes, como o prolongado aplauso aos usuários de um ônibus que parara no sinal fechado.
da próxima vez, quero experimentar o giz.