sexta-feira, 9 de maio de 2008

A mais bela das artes



Ela saía todo dia muito cedo de casa. Era uma hora escura, perigosa. Um dia, ela ainda ia ser encontrada morta num beco. Ai! O cano parecia ter estourado perto dela. Aquilo dava um aperto no coração. Podia ter estourado dentro dela. Ela tava caminhando e de repente tudo ficou escuro. Alguma coisa aconteceu. Ela tem um lapso.
A rua tava vazia. Só uma mulher. Bonita, loura.
A rua tava vazia. Um homem. Qualquer dia desses ia acabar num beco escuro. Desviou, sumiu de vista. Ela continua o caminho. Pela cidade deserta. Naquela hora, parecia que tinha uma outra cidade na cidade. Outras ruas. Invisíveis. Metrô.
O metrô vazio. Ia ter que sentar no fundo do vagão. Ver a loura de longe.
O metrô estava vazio. Parecia feriado. Ela sempre ia em pé.
A senhora. Pode sentar-se.
E dentro da minha cabeça eu pensava: Gostosa.
Um homem esbarra nela, apesar do metrô vazio.
Resolve segui-la.
Desce do metrô e caminha pelas ruas ainda vazias.
Ela entra na lanchonete. Ele também tem fome.
Cumprimenta a balconista. Toma um café. Fuma um cigarro. Ela vai bater o cartão. Às oito e ponto. Atravessa a rua e entra no prédio.
O prédio.
Primeiro andar. Os corredores. Segundo. Terceiro.
Elevador panorâmico!
Quarto. Cumprimenta as pessoas. Quinto. Sexto. Sétimo. O escritório. No sétimo andar.
Sétimo andar. Cabalístico. Você é minha, loura.
Ele tinha do bom e do melhor. Bebida, só importada. Carro do ano. E uma mesa nova. Caríssima. Era artigo de luxo. E muito útil. A mesa valia mais do que ela. Era artigo de qualidade.
Ela não tinha sido esculpida, grafada, assinada. Nem desenhada por ninguém. Objeto ordinário, útil, funcional. Substituível. Uma vida sem poesia. Ia morrer saltando de uma janela imunda, num cubículo imundo na área do meio dos prédios. O prédio fechado. Sete e meia da noite. Ela ia pular e ninguém ia ver.
Sete e meia da noite. A loura pisa no parapeito. Seu corpo flutua um momento no ar.

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