hoje vai ser tudo diferente. tinha que ser diferente pois mais um dia como aquele poderia matá-la. qualquer coisa. Bastava um sinal, uma alteração de trajeto. Claro que não falava daquelas alterações de trajeto que fazia de casa para o trabalho ou do trabalho para casa. Passar um dia pela rua de baixo, seguir até a avenida principal e dobrar à direita. Ou ir pela rua de cima e já cair perto do túnel. Ou... Já tinha testado todas. Todas. Iguais.
Ela esperava um milagre.
Alguma coisa que entrasse em seu caminho de maneira irremediável. Nunca mais chegar à escola. Nunca mais bater ponto. Nunca mais o cafezinho. As louras do salão.
Nunca mais voltar para casa. Nunca mais o marido. Nunca mais os filhos. O amante a sogra. A cunhada simpática e aquela que sabia demais. Nunca mais as mesmas coisas.
Nunca mais agarrarse às mínimas diferenças. Uma loja que abrira na esquina. Um sabor novo de chicletes, mentalimão, frutasvermelhas. Nunca mais qualquer coisa para sobreviver. Mais um dia. Sobreviver mais um pouco.
Nunca mais tão pouco.
Viu quem verafisher tá namorando? Aquela ali é doida, não viu que até perdeu a guarda do filho? E a Suzane Richtofen, que cor linda de cabelo? Nem parece que matou a mãe, com aquela cara de inocente. Ainda mais loira! Não disse, pra ser notícia tem que ser loira!
Ela já fora loura. Ruiva. Já teve o cabelo beterraba e até algumas cores mais diferentes, mas nada muito radical. Estava esperando alguma coisa mudar para mudar mesmo seu visual. Quem tinha dinheiro podia vestir qualquer coisa, mas ela não. Tinha emprego. Filho para criar. Até o milagre acontecer não podia fazer nada. A não ser comprar uma calcinha de renda vermelha. Tinha visto um na promoção do dia dos namorados. Com as laterais de tirinhas. Tirinhas de renda. Torcer para o sexo ser um pouquinho diferente pois há muito que era o mesmo.
Ela tinha tentado de tudo, até amante. Mas também com ele logo tudo soou programado. Mesmo o friozinho na barriga, o saber-se sentir-se canalha. O preparar-se em mesmos banhos e perfumes. As mesmas horas da traição. No mesmo quartinho ordinário. O mesmo sexo oral sempre com ele como nunca fazia com o marido. O mesmo sexo anal como ele sempre comia como nunca o marido. As sempre mesmas ousadias pequenas.
Depois o mesmo sangue correndo calmo nas veias. A mesma casa. Mesma chave. Porta. Entrar. Tirar a roupa. Quarenta minutos até os meninos. Tomar banho. O cheiro do outro. Roupa limpa. Esconder a calcinha. O sorriso vingado. A comida fria na geladeira. Fogão. Forno. Sobremesa. Filhos. Banhos. Deveres. Televisão. Graças a deus a televisão. E o jantar sem perguntas. Nem respostas. Graças a deus a novela. Não precisa mais conversar com ninguém. Tá no forno. Já dormiu. Amanhã a gente vê.
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