segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

AMOLA-SE

No fundo da cena, soava o pregão distante.
Cada vez mais distante, soava no fundo do ouvido:
Amolador! (Dizia amolador e alongava cada vogal.) Amola faca alicate tesoura! Amola-a-dor...
O homem sentado no quarto, na beira da cama, discordava:
Nem precisa amolar a dor, que essa já corta afiada.
O homem perguntava:
De quantas facas preciso pra fatiar seu coração, hein? Pra deixá-lo em farrapo como o meu?
Com qual tesoura alicate punhal fatiar seu amor fingido pra poder comê-lo em pedaços?
Ele sentia o coração ficar quente quente no peito. E a cabeça quente quente. E o sangue ferver. Ele pensava que era amor, mas não era. Era raiva. Pensava que era o brilho cego de paixão. Mas era ódio e faca amolada.
Ela, o corpo estirado no chão, não respondeu. Agora ela sabia do ódio que ele tinha. O ódio que ela, mulher, já pressentia.
Ele insistiu:
Era isso que você queria, não era? Quem mandou me largar? Quem mandou me desprezar, me humilhar? Sou homem, não sou moleque não. Sou homem, você vai aprender.
Ela, o corpo estirado no chão, não respondeu. Parecia birra. Mas não era. Era boca rasgada, peito aberto e 42 facadas. Só por que ela não o amava, não o queria? Morta, ela pensava: o que ela queria mesmo era viver, era não ser obrigada.
Ele insistiu:
Se não vai mais ser minha, não vai ser de mais ninguém.
Ele nem pensou que podia deixar sua luz brilhar e ser muito tranquilo.
Deixar o seu amor viver e ser muito tranquilo.

Nenhum comentário: