segunda-feira, 15 de setembro de 2008

cidade das mortas: experimento cênico inacabado número zero.

Ação/situação para uma dramaturga e uma atriz.
Quem é a obra de quem? Mulher: uma obra em construção. Desculpe-nos o transtorno. Estamos trabalhando para você. Não é possível explicar, é necessário construir.

Alguma hora da noite e estamos na Praça Sete.
Uma mulher caminha carregada de sacolas. Seu corpo objetos. Embalagens plásticas metalizadas produtos de limpeza cosméticos mantimentos eletrodomésticos utensílios do lar higiene pessoal familiar.
Uma outra mulher a segue, nas mãos uma embalagem de creme de cabelo da qual saca seu instrumento. Um giz. A dramaturga vai desenhar e escrever continuamente. Narrativas jornalísticas poéticas científicas dicionarescas inventadas documentais. Escritas do momento.
A mulher objetos caminha. Instala seu corpo no espaço. Nos monumentos. Nas ruas. Destaca a arquitetura. Deita-se no chão.
A dramaturga desenha. A Cidade das Mortas. Seus corpos objetos no calçamento da cidade. Os anúncios das prostitutas de Curitiba devem percorrer esses corpos mortos, desenhos a giz no chão. Também devem estar lá o verbete do Aurélio e o inventário de tarefas inúteis. As manchetes e estatísticas. E os desejos de consumo das mulheres domesticadas pela tv. A dramaturga já começa a criar preferências. Ah, adoraria poder deitá-la no asfalto. Desenhá-la em meio aos carros. Parar o trânsito.

Mulher. O ser humano do sexo feminino capaz de conceber e parir outros seres humanos e que se distingue do homem por essas características. Mulher da vida. Meretriz. Mulher à toa. Meretriz. Mulher da comédia. Meretriz. Mulher da rua. Meretriz. Mulher da zona. Meretriz. Mulher.
Parir. Limpar. Amamentar. Trocar. Compreender. Amar. Sujeitar. Sacrificar. Lavar. Passar. Esquecer. Esquecer. Esquecer. Perdoar. Aquecer. Embalar. Beijar. Lamber. Chupar. Dar de mamar. Transar. Mesmo sem vontade. Mulheres domesticadas pela tv. Mulheres eletrodomésticas.
A mulher em relação ao marido. Esposa. Rolinhos pregadores talhares bicos de mamadeira chupeta fralda peneira vassoura escova botão linha tampa bombril perfex avental sutiã calcinha meias batons potes hidratantes depiladores filhos planos de saúde férias marido. Feia. Gorda. Velha. Usada. Jogada fora.
A gente pensa que é mulher e é só fêmea. Bichinho de estimação. Gatinha. Cachorra. Cadela. Vaca. Galinha. Piranha. Filé. Gostosa. Gostosa. Samy. 20 anos. Morena mestiça. Safada e sapeca. 100% completa. Sexo anal total. Gosto do que faço.
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Uma mulher é feita de arestas, becos, buracos. De sangue, veias, garganta. Uma mulher é feita de voz, pernas, pensamento e útero.

A mulher objetos atravessa as avenidas, avança para a Praça da Estação. Caminha entre os pontos de ônibus e deita-se na passagem dos pedestres.
A dramaturga tem especial afeição pelas passagens de pedestre. O chão é liso e inclinado. O espaço é razoável e atrapalhamos o trânsito.
Nina Caetano. BHZ. 15 de setembro de 2008.

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