Na última sexta, dia 19 de abril, realizei com meus alunos da
Espaço Escola uma intervenção com o tema "Dia do Índio?". Esses
são alunos da oficina Performance e Intervenções Urbanas – que ofereci à escola onde meu filho estuda, no intuito de trabalhar com o fundamental II, em que ele está inserido. Mas em que consiste o meu trabalho com esse grupo de adolescentes
entre 12 e 17 anos?
É meu interesse, com essa oficina, utilizar uma linguagem
artística aberta, que não exige o aprendizado de nenhuma técnica específica –
como bem lembrou a estudiosa de performance, Denise Pedron, no programa do qual
participamos ambas, naquela mesma noite (vou tratar disso mais tarde) – para
levar esses adolescentes a uma reflexão mais ampla dos imbricamentos entre
formação sensível e o papel que exercem como cidadãos, das relações entre
estética e política...
É uma das minhas preocupações o distanciamento que percebo neles
em relação a questões candentes da sociedade que os cerca, uma certa reprodução
de idéias preconcebidas em relação a outras realidades sociais, distintas
daquela da qual provêm. E penso que a performance pode ser um ótimo meio de implicá-los nisso. Para explicitar meus desejos, chamo Eleonora Fabião[1] em
meu socorro:
Esta é, a meu
ver, a força da performance: turbinar a relação do cidadão com a polis; do
agente histórico com seu contexto; do vivente com o tempo, o espaço, o corpo, o
outro, o consigo. Esta é a potência da performance: deshabituar, des-mecanizar,
escovar a contra-pêlo. Trata-se de buscar maneiras alternativas de lidar com o
estabelecido, de experimentar estados psicofísicos alterados, de criar
situações que disseminam dissonâncias diversas: dissonâncias de ordem
econômica, emocional, biológica, ideológica, psicológica, espiritual,
identitária, sexual, política, estética, social, racial... (FABIÃO, 2008: 237)
Com essas questões como norte, pensei em trabalhar, na
oficina, a partir da experimentação de ações que possibilitassem, a eles, a
imersão concreta no cotidiano da cidade, permitindo tanto o re-conhecimento do
entorno da escola quanto a descoberta do centro da cidade, local pouco freqüentado
por eles. No centro, realizamos duas ações, as duas relacionadas a datas “comemorativas”:
8 de março, Dia Internacional da Mulher e 19 de abril, Dia do Índio.
Antes da realização dessas ações – sobre as quais falarei em
seguida – trabalhei com o grupo a intervenção urbana Cidade dos Afetos, fruto de uma proposição de Clóvis Domingos e já
realizada pelo Obscena Agrupamento em duas ocasiões: a primeira vez, como compartilhamento
de práticas, com o coletivo Os Conectores, em abril de 2011 e, a segunda, integrando
o evento Nós da Paz, organizado pela sociedade civil como manifestação contra a
violência na cidade. A intervenção consiste na escrita de cartas de afeto que
são, em seguida, “abandonadas” pela cidade. Aqui, novamente recorro à Fabião:
Um programa [de performance] é um ativador de
experiência. Longe de um exercício, prática preparatória para uma futura ação,
a experiência é a ação em si mesma. [...] Uma experiência, por definição,
determina um antes e um depois, corpo pré e corpo pós-experiência. Uma
experiência é necessariamente transformadora, ou seja, um momento de trânsito
da forma, literalmente, uma trans-forma. [...] Programas criam corpos –
naqueles que os performam e naqueles que são afetados pela performance. [...] O
corpo é definido [por Espinosa] pelos afetos que é capaz de gerar, gerir,
receber e trocar (FABIÃO, 2008: 237-238).
Para realizá-la com os alunos da oficina, discuti, primeiro, algumas
questões relativas ao uso do espaço público – tais como privatização,
violência, insegurança – e, a partir de suas inquietações, propus que cada um produzisse
cartas como se fossem endereçadas a um amigo (ainda que desconhecido). Depois, demos
uma volta pelo bairro e fomos abandonando-as em pontos de ônibus,
portas de prédios, canteiros.
As ações seguintes, como já disse, foram no centro. Para o 8
de março, discutimos diversas possibilidades: de ações microscópicas, nas quais
a presença do corpo seria latente[2], à
perspectiva de se inserir o corpo na prática. Acabamos ficando com o meio
termo: produziríamos cartazes que levantassem questões – às vezes, a partir da
ironização de discursos machistas e da desconstrução de estereótipos; às vezes,
buscando as palavras de ordem de movimentos feministas – como violência contra
a mulher e mercantilização do corpo. Posteriormente, sairíamos em um bloco
unido, vestido de roxo e/ou branco, pelas ruas do centro. Esse bloco pararia a
um determinado comando e criaria uma formação que permitisse colocar em
destaque os cartazes, alguns bastante interessantes como o de Thomás Caetano, “lugar de mulher é
onde ela quiser”.
Para o 19 de abril que, como o 8 de março, caiu,
coincidentemente, no dia em que a oficina acontece, pensei em trabalhar com
eles a partir de um estímulo que eu já estava começando a explorar: os
espaços-gestos de Artur Barrio, artista
plástico português que faz parte dos pesquisas teóricas e práticas do Obscena.
Esse material já tinha gerado, inclusive, uma manifest-ação que realizo,
justamente, sobre a questão indígena, mais especificamente sobre a situação dos
índios guarani kaiowá, no Mato Grosso do Sul: Espaço do Silêncio.
A idéia é desenvolver a criação desses espaços-gestos com eles, em explorações dos espaços da escola e/ou da cidade. Como a maioria ainda não havia conseguido escolher aquele com o qual pretende trabalhar, centramos no espaço-gesto proposto por Benjamin Libânio e Ana Clara Bastos: o 26º gesto, ou o espaço do ler em voz alta; além do proposto por Anna Luisa Lemos: o 3ºgesto ou o espaço dos gritos. Contrapomos a esses, o espaço do silêncio (27º gesto), com o qual eu já trabalhava. Deste, retiramos os signos: a cruz vermelha na boca e a faixa vermelha nos olhos. Novamente, eles quiseram trabalhar com cartazes e pensamos, então, em criar um espaço de ler, a partir das cartas dos índios (tanto dos guarani kaiowá quanto de DaiaraTukano, ativista pela causa indígena), e também de manifestar-se, ou seja, de “gritar”: fosse um grito na garganta ou no papel.
A idéia é desenvolver a criação desses espaços-gestos com eles, em explorações dos espaços da escola e/ou da cidade. Como a maioria ainda não havia conseguido escolher aquele com o qual pretende trabalhar, centramos no espaço-gesto proposto por Benjamin Libânio e Ana Clara Bastos: o 26º gesto, ou o espaço do ler em voz alta; além do proposto por Anna Luisa Lemos: o 3ºgesto ou o espaço dos gritos. Contrapomos a esses, o espaço do silêncio (27º gesto), com o qual eu já trabalhava. Deste, retiramos os signos: a cruz vermelha na boca e a faixa vermelha nos olhos. Novamente, eles quiseram trabalhar com cartazes e pensamos, então, em criar um espaço de ler, a partir das cartas dos índios (tanto dos guarani kaiowá quanto de DaiaraTukano, ativista pela causa indígena), e também de manifestar-se, ou seja, de “gritar”: fosse um grito na garganta ou no papel.
Foto de Roque Soares
Foi interessante observar como eles, de início muito assustados com a idéia de ir ao centro - tido como espaço perigoso, de risco - estão agora, pelo menos a maioria, empolgados com a possibilidade de um diálogo efetivo com a cidade, fora dos muros da escola. De como eles - e elas - de muito envergonhados e com dificuldades de se colocar (ou, até mesmo, de participar: no 8 de março, por exemplo, realizaram a ação as meninas todas, mas somente um menino, dos seis que fazem a oficina) passaram a exigir de si posicionamento, como foi o caso de Benjamin, que queria fazer - e fez - leituras em voz alta da carta da comunidade guarani kaiowá; e também das meninas, principalmente de Anna Luisa Lemos, Ana Clara Bastos e Laura Almeida que, muito empenhadas em tornar visível nosso manifesto, propuseram circular pela Praça da Estação, local onde realizamos a ação, e chegar perto das pessoas que estavam nos pontos de ônibus. Orgulho.
P.S.: em tempo. No programa Brasil das Gerais - Rede Minas de TV - daquela noite, o tema foi Performance. Para o bate-papo foram convidados, além de mim, os artistas e pesquisadores Denise Pedron, Roberson Nunes e Marcos Paulo Rolla. Nele, discutimos vários aspectos interessantes da performance, entre eles isso: o fato de que a performance, justamente por ser uma arte sem fronteiras, definições rígidas ou limites claros, permite ser vivenciada, como experiência estética, pelo cidadão comum, sem formação técnica específica. Aquilo que já apontei no texto acima, quando mencionei Denise.
P.S.: em tempo. No programa Brasil das Gerais - Rede Minas de TV - daquela noite, o tema foi Performance. Para o bate-papo foram convidados, além de mim, os artistas e pesquisadores Denise Pedron, Roberson Nunes e Marcos Paulo Rolla. Nele, discutimos vários aspectos interessantes da performance, entre eles isso: o fato de que a performance, justamente por ser uma arte sem fronteiras, definições rígidas ou limites claros, permite ser vivenciada, como experiência estética, pelo cidadão comum, sem formação técnica específica. Aquilo que já apontei no texto acima, quando mencionei Denise.
[1] FABIÃO, Eleonora. Performance e Teatro: poéticas e políticas
da cena contemporânea. Disponível na versão online da revista Sala Preta,
do PPGAC – ECA-USP: v.8, n.1 (2008):
[2] Refere-se aos "rastros" deixados no espaço urbano pela ação realizada, uma "presença" latente do corpo. Conceito apresentado a mim por
Zalinda Cartaxo, durante a mesa de debate Performance
e Política, que organizei para o Simpósio H#1: CORPOLÍTICO.
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